Nas semanas antes de sua vitória eleitoral, a ultradireitista Giorgia Meloni esbravejava em comícios pelo país que seu eventual governo significaria o “fim da mamata” para a União Europeia, sugerindo uma abordagem mais nacionalista que europeísta, e o bloqueio naval no Mediterrâneo, como forma de endurecer o controle migratório.
Meloni, que completa um ano como primeira-ministra neste domingo (22), não cumpriu nenhuma dessas promessas e tampouco tem a mostrar grandes conquistas. Mesmo assim, tem o que celebrar.
Seu principal feito foi ter assumido um tom pragmático no plano externo e ter desarmado os olhos arregalados da comunidade internacional, deixando de lado, por ora, suas propostas mais extremistas. Internamente, na falta de realizações concretas, apelou a medidas de caráter ideológico, em temas como a defesa da família tradicional, para acenar à própria base de apoio.
Como resultado, o governo conseguiu superar a desconfiança de líderes ocidentais, sem ter perdido popularidade. Um equilíbrio que pode ser abalado nos próximos meses pela piora da economia e a aproximação das eleições para o Parlamento Europeu, que já movimenta as forças políticas da coalizão no poder.
Fora da Itália, em especial na União Europeia, o temor era que, ao assumir o cargo, Meloni promovesse uma guinada à ultradireita iliberal, algo que aproximasse o país da Hungria de Viktor Orbán —de quem, aliás, ela continua próxima. Preocupava a origem pós-fascista do partido fundado por ela, o Irmãos da Itália.
A adoção da postura moderada, em continuidade com o governo anterior, manteve a Itália alinhada ao bloco anti-Rússia na resposta à Guerra da Ucrânia, aproximou Meloni da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, abriu as portas da Casa Branca, onde foi recebida em julho pelo presidente Joe Biden, e distancia cada vez mais o país da China.
Esse posicionamento internacional é o principal resultado obtido por Meloni, segundo a cientista política Antonella Seddone, professora da Universidade de Turim. “O governo pode comemorar a solidez da posição italiana no exterior. Até porque esse era o maior desafio, dada a herança política pesada do Irmãos da Itália”, disse à Folha.
No contexto doméstico, faltam êxitos palpáveis. As promessas mais estridentes saíram de cena, até porque são de difícil execução, evidente no caso do bloqueio naval. E o cobertor curto na área econômica dificulta gastos e cortes de impostos expressivos —outra bandeira de campanha.
A dívida pública italiana é a segunda maior da UE, e os efeitos do conflito na Ucrânia chegaram ao bolso da população, com a alta do custo de vida. O FMI (Fundo Monetário Internacional) acaba de revisar para baixo a projeção de crescimento para este ano (0,7%) e para o próximo (0,7%).
“No plano interno, o governo começa a ter problemas maiores, diante de promessas eleitorais que estão sendo postas à prova da realidade. Com poucos recursos, é preciso restringir as propostas do campo econômico”, afirma Seddone. “Restam cartas simbólicas. O governo busca compensar dificuldades com medidas que visam consolidar a relação com o eleitorado.”
Uma delas é o avanço contra direitos das famílias LGBTQIA+. No começo do ano, cartórios foram impedidos pelo Ministério do Interior de registrar certidões com os nomes de duas mães ou dois pais que tenham tido filhos por meio de fertilização assistida ou gestação de substituição (popularmente conhecidas como barriga de aluguel).
A fórmula —pragmática fora, ideológica dentro— ajuda a explicar por que, mesmo sem promessas entregues, Meloni mantém popularidade entre eleitores, apesar de oscilações.
Contribui ainda a divisão dos partidos de oposição, com dificuldades de atuar em uma agenda comum. Segundo pesquisa Ipsos para o Corriere della Sera, 42% aprovam o desempenho do governo, enquanto 47% dizem reprová-lo. Logo depois da posse, esses números eram 42% e 40%.
Trata-se de um equilíbrio em linha fina que corre riscos em duas frentes, além da piora do cenário econômico. Um deles é a imigração. Apesar do discurso duro de Meloni, o país é o mais afetado pelo desembarque de imigrantes que cruzam o Mediterrâneo de maneira irregular, com quase 140 mil pessoas neste ano.
O tema chegou a provocar rusgas entre Roma e Paris, após o governo italiano dificultar a ação de navios de ONGs que fazem serviço humanitário, mas, depois disso, Meloni conseguiu levar a questão para os holofotes europeus, atraindo esforços inclusive de Von der Leyen. As medidas, porém, ainda não produziram efeitos.
Para Chiara Moroni, especialista em comunicação política e professora da Universidade da Tuscia, o fluxo migratório é a área em que Meloni enfrenta mais problemas. “É um bumerangue para ela. Um tema que estressa relações internas, internacionais e com a população que tem a percepção de que a imigração é um perigo iminente”, diz.
A outra frente de pressão são as eleições para o Parlamento Europeu, em junho. Meloni tem, em sua coalizão, o vice-premiê Matteo Salvini, da Liga, que tem usado a imigração para subir o tom de campanha. Os dois estão em grupos políticos diferentes no Parlamento.
“Meloni apostou grande parte da sua reputação no controle da imigração irregular, e sua incapacidade atual poderia enfraquecer a sua popularidade e beneficiar rivais como Salvini”, avalia Luigi Scazzieri, pesquisador do Centro para Reforma Europeia. “Quanto mais Meloni se sentir sob pressão, mais ficará tentada a abandonar sua abordagem pragmática em relação à UE.”