O aumento da temperatura da água no mar Mediterrâneo, o caos político e a infraestrutura precária são as principais causas do alto número de vítimas após inundações devastadoras na Líbia, afirmam especialistas. Mais de 5.000 mortes haviam sido confirmadas até esta quarta-feira (13) e, segundo autoridades, a cifra ainda deve aumentar “de forma significativa” nos próximos dias.
A tempestade Daniel se formou por volta de 4 de setembro e provocou morte e destruição na Bulgária, na Grécia e na Turquia na semana passada, antes de chegar à Líbia. Essas tempestades mediterrâneas, que têm características de ciclones e furacões tropicais, acontecem de uma a três vezes ao ano.
Para se formarem, precisam de fluxos de calor e de umidade reforçados pelas altas temperaturas da superfície do mar, afirma a professora Suzanne Gray, do departamento de meteorologia da Universidade de Reading, no Reino Unido.
Há várias semanas, registros indicam que as águas superficiais do Mediterrâneo oriental e do Atlântico estão de 2°C a 3°C mais quentes que o habitual. “E provavelmente causaram precipitações mais intensas”, disseram vários cientistas durante uma reunião do sistema de alerta meteorológico do Reino Unido.
“Existe uma relação direta entre o aumento das chuvas e as inundações. A isso, somam-se as condições meteorológicas locais. Neste caso, deve-se a um bloqueio persistente da alta pressão, que atualmente está se dissipando”, afirmam os cientistas.
Mas os especialistas admitem que, neste momento, é difícil dizer se este tipo de evento será mais frequente no futuro. Conforme alguns modelos, a crise do clima pode reduzir o número de ciclones no Mediterrâneo, mas aumentar sua intensidade. A maioria dos cientistas é reticente quanto a estabelecer vínculos diretos entre fenômenos meteorológicos individuais e mudança climática a longo prazo.
A tempestade Daniel ilustra, no entanto, o tipo de inundações devastadoras que podemos esperar cada vez mais no futuro, à medida que o mundo fica mais quente, diz Lizzie Kendon, professora de ciências climáticas na Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Segundo o Observatório Europeu Copernicus, o superaquecimento do mar, que absorve 90% do excesso de calor produzido pela atividade humana desde a era industrial, está causando níveis recordes de temperatura em todo o mundo, e 2023 será, provavelmente, o ano mais quente da história.
Mas o clima não explica tudo. Alguns analistas acreditam que o cenário político fragmentado da Líbia – país dilacerado por mais de uma década de guerra civil após a queda do ditador Muammar Gaddafi, que governou de 1969 a 2011– também contribuiu para a catástrofe.
O país do norte de África está dividido entre dois governos rivais: a administração internacionalmente reconhecida pela ONU, com sede na capital Trípoli, no oeste; e uma administração separada, na região leste, que foi atingida pelas inundações.
“É verdade que a mudança climática pode tornar os fenômenos meteorológicos extremos mais frequentes, mais imprevisíveis e mais violentos, de forma que podem exceder a capacidade das nossas infraestruturas e sistemas existentes para enfrentá-los”, afirma Leslie Mabon, professora de sistemas ambientais na Open University do Reino Unido.
Mas, ao mesmo tempo, acrescenta, “fatores sociais, políticos e econômicos determinam quem está mais exposto ao risco de sofrer maiores danos quando os eventos extremos ocorrem”.
A perda de vidas também é consequência da limitação das capacidades de previsão, alerta e retirada de moradores da Líbia, acrescenta Kevin Collins, professor da Open University. A catástrofe expôs as deficiências em infraestrutura e nos padrões de planejamento e design da cidade, afirma.
As condições políticas na Líbia colocam desafios para o desenvolvimento de estratégias de comunicação e de avaliação de riscos, para a coordenação de operações de resgate e também, potencialmente, para a manutenção de infraestruturas críticas, como as represas, afirma Leslie Mabon.