O líder opositor russo Alexei Navalni, 47, está morto. O mais conhecido crítico do governo de Vladimir Putin estava preso em uma cadeia na remota região de Yamalo-Nenets, no Ártico, e cumpria 30 anos de pena por condenações diversas.
A morte foi anunciada pelo Serviço Federal Prisional da Rússia, e até agora as causas não foram reveladas. Ao longo de sua detenção, Navalni fez greves de fome e teve uma deterioração acentuada de suas condições de saúde, o que seus advogados creditavam aos períodos de isolamento em solitárias, má nutrição e tortura psicológica.
O próprio Navalni, em uma mensagem recente, dizia que era acordado por músicas nacionalistas pró-Putin.
O opositor considerava suas condenações meros artifícios de perseguição política, e no fim do ano passado seu sumiço da colônia penal onde estava preso perto de Moscou causou apreensão. Ele havia sido removido para uma unidade ainda mais brutal do sistema penal russo devido ao aumento de seu tempo de cadeia, em agosto passado.
Naquele julgamento, ele pegou mais 19 anos de prisão, elevando sua pena total a 30 anos e meio. O ativista disse que era vítima de uma armação stalinista, em referência aos julgamentos farsescos dos tempos do ditador soviético Josef Stálin (1878-1953).
Isso ocorreu porque ele foi designado um extremista, algo grave na lei russa, sob acusação de fomentar práticas do gênero em seu Fundo Anticorrupção, entidade que denunciava malversações de funcionários do governo de Putin.
Ele já estava preso desde 2021, quando voltou da Alemanha após tratar os efeitos de um envenenamento sofrido na Sibéria em 2020, quando participava de uma campanha eleitoral local. Ele acusou Putin diretamente pela ação e consolidou sua posição como mais conhecido opositor do líder russo, no poder desde 1999.
Navalni surgiu na vida pública russa nos protestos de 2012 contra a segunda das três reeleições do presidente, que chegou ao poder em 1999 como primeiro-ministro. Em 2013, o ativista surpreendeu chegando em um robusto segundo lugar (27% dos votos) na eleição para prefeito de Moscou.
Mas foi cinco anos depois que ele ganhou real notoriedade, ao liderar protestos organizados pela internet em todo o país primeiro contra autoridades do governo, depois contra Putin. Barrado de disputar a eleição presidencial de 2018 por ter uma condenação suspensa em um nebuloso caso regional de corrupção, ele passou a trabalhar por candidatos anti-Kremlin em pleitos locais e nacionais.
Foi numa dessas missões, no final de 2020 em Tomsk (Sibéria), que ele foi envenenado naquilo que é amplamente descrito como um complô de serviços de segurança —que Putin desdenhou, dizendo que se o Estado quisesse matar Navalni, ele já estaria morto.
Levado para a Alemanha em coma, ele foi tratado e voltou a Moscou em janeiro de 2021, só para ser preso de forma bizantina, porque tecnicamente descumpriu sua liberdade condicional daquela primeira condenação. Voltou para a cadeia, o que disparou uma onda nacional de protestos que foi violentamente reprimida pela polícia.
Navalni fez greve de fome, mas acabou tendo sua pena ampliada para 11 anos e meio. Desde que Putin invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, ele mudou sua instância crítica ao governo de Kiev e passou a denunciar, por meio de advogados ou em audiências, a guerra.
Recentemente, outro crítico de Putin, o ativista Vladimir Kara-Murza, foi condenado a 25 anos de prisão sob a acusação de traição ao país. Na Rússia, o Judiciário é teoricamente independente, mas as ligações com o poder central são notórias —o filme “Leviatã”, de 2015, mostra as minúcias da engrenagem.
Morto a menos de um mês da eleição presidencial que dará mais um mandato de seis anos ao líder russo, Navalni consolida seu posto de mártir do putinismo no Ocidente. O documentário acerca de sua trajetória, focado no caso do envenenamento, ganhou o Oscar da categoria neste ano.
Apesar de lograr mobilizar milhares de pessoas na Rússia, em especial nos protestos contra sua prisão em 2021, ele nunca foi um político muito popular no país. Pesquisas independentes nunca lhe deram mais de 5% de intenções de voto para presidente, embora apontem simpatia por sua figura em proporção maior.
Navalni também é polêmico. Já namorou o ultranacionalismo de direita russo, fez declarações xenofóbicas e racistas, e o esquema de financiamento de sua rede de ativismo, um dos pontos das acusações contra si, é bastante opaco, como a Folha mostrou em reportagem de 2017.
Isso dito, era o maior símbolo da repressão aos opositores de Putin, um movimento que só fez crescer com as medidas extraordinárias tomadas para reprimir o dissenso e a crítica à guerra.
Nas mensagens passadas por seus advogados, ele disse que a sua última sentença “foi para intimidar você [o público russo], não eu”. “Nós sabemos com certeza que se uma em cada dez pessoas que se ultrajam com a corrupção de Putin fossem às ruas, o governo cairia amanhã. Sabemos que se todos que são contra a guerra forem às ruas, eles a parariam imediatamente”, afirmou.
Segundo o Centro Levada, instituto independente de pesquisas russo, mais de 80% dos russos apoiam Putin e cerca de 75%, a guerra na Ucrânia.