O governo federal anunciou nos últimos dias um novo programa para abrir 5.000 vagas de professores universitários nas instituições federais de ensino. O texto altera a Lei Orçamentária Anual de 2023 e amplia o número de vagas destinadas a professores e servidores técnico-administrativos em instituições federais de ensino superior.
O pedido partiu do Ministério da Educação e recebeu o aval do Ministério da Gestão. Com a mudança, o total de vagas abertas neste ano chega a 15.773, ante as 10.773 previstas no orçamento atual. O acréscimo vai custar R$ 500 milhões.
O governo alega que o número não é reajustado desde 2018. “Ainda não é o ideal e continuaremos trabalhando para suprir o déficit de pessoal nas instituições federais de ensino para promover a melhoria da educação no país”, disse a ministra da Gestão, Esther Dewck, ao anunciar a medida.
Mas os números mostram um cenário diferente: a falta de professores não é um problema emergencial. E, para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a aposta em um aumento de gastos desse tipo é inadequada.
As mudanças chegam no momento em que as instituições privadas, sobretudo as que oferecem cursos à distância, veem o número de alunos crescer rapidamente, ao passo que as instituições públicas passam por um período de declínio.
Brasil x outros países
A edição mais recente do Censo da Educação Superior, com dados de 2021, mostrou que as universidades federais brasileiras tinham 1.371.128 alunos de graduação e 118.546 docentes. A média, portanto, era de 11,5 alunos por professor. Nas estaduais, eram 633.785 alunos para 48.344 docentes: média de 13,1 alunos por professor.
Os números são similares aos de muitos países desenvolvidos.
Por exemplo: nos Estados Unidos, em 2022, eram 941.367 professores em universidades públicas para 11,9 milhões de alunos de graduação. Isso equivale a 12,6 alunos por professor.
Uma comparação do Banco Mundial feita em 2017 e incluindo as universidades particulares mostra o Brasil com 19 alunos por professor (incluindo universidades particulares). No mesmo ano, a proporção era de 13 para um na Holanda, 15 para um na Irlanda, 16 para um no Reino Unido, 20 para um na Itália e na Finlândia, e 39 para um na Grécia. Ou seja: a situação do Brasil está longe de ser problemática, tendo em vista os números consolidados.
E a tendência da educação superior para os próximos anos torna ainda mais questionável a necessidade de uma expansão no corpo docente.
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Modelo tradicional em baixa
Nos últimos anos, a pandemia parece ter acelerado uma tendência que já havia sido detectada desde a década passada: a expansão dos cursos à distância (o chamado EaD).
Entre 2017 e 2021, o número de vagas EaD quadruplicou. Em 2020, o número de calouros nesses cursos à distância foi maior do que os dos cursos presenciais. O número de calouros em cursos presenciais caiu 31,8% no mesmo período.
Também em 2017, a taxa de ocupação nas universidades federais era de 91,2%. Em 2021, ficou em 78,2%.
Na verdade, a tendência não se resume ao Brasil. Nos Estados Unidos, o número de estudantes matriculados em cursos de tempo integral caiu de 13,1 milhões em 2010 para 11,6 milhões em 2020.
No cenário brasileiro, a demanda por EaD tem sido quase que completamente absorvida pelo ensino privado. Nas instituições federais de ensino superior, apenas 6% das vagas são de EaD. Na rede privada, o índice é de 51%.
E não há perspectiva de mudanças significativas nesse cenário. Ou seja: a contratação de professores pode acabar apenas aumentando o custo de um sistema que se tornou defasado. E a inércia das universidades federais, amarradas por um emaranhado de leis e normas internas — e agravada pela longevidade dos professores concursados, que ocupam os postos por décadas até se aposentarem — torna essa adaptação muito lenta.
Embora algumas instituições de fato sofram com a falta de professores em alguns cursos, é ainda mais comum que haja problemas com a falta de alunos. O problema tem se acentuado nos últimos anos. “É muito provável que haja até professores em excesso nas Instituições Federais de Ensino Superior, e que eles estejam mal distribuídos”, diz o professor Pedro Caldeira, do Departamento de Educação da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro).
Expansão não significa melhoria
Para Caldeira, a contratação de professores se baseia em uma premissa equivocada: a de que, quando se trata do ensino superior, expansão e melhoria são sinônimos. “Há um conjunto de mitos relacionados com o ensino superior público brasileiro. Esses mitos foram criados nas últimas décadas e influenciam as políticas públicas do setor. Um desses mitos é o que nos informa que ‘mais é melhor’ : mais verba, mais técnicos, mais professores ou, como até há poucos anos, mais estudantes”, critica.
Caldeira também lembra que, no cenário atual, a falta de atenção ao ensino à distância leva as universidades federais a perderem parte do seu poder de atrair e reter estudantes. “No Brasil, todos os dias perdemos a oportunidade de criarmos uma universidade pública que funcione exclusivamente através do ensino a distância (EaD)”, afirma.
O professor da UFTM afirma que a alocação ineficiente dos recursos é um problema mais significativo do que a falta de verbas, e defende “profundas alterações” no modelo atual. As mudanças incluiriam “gestão privada de escolas ou sistemas públicos, concepção de materiais escolares que auxiliem os professores em suas tarefas de sala de aula, estabelecer metas ambiciosas em termos de aprendizagens aos níveis regional, local, escolar e por docente associando reconhecimento e incentivos, passar a tratar o ensino não como formação de militantes, mas sim de cidadãos aptos a exercerem o seu papel de forma consciente e informada”.
Na opinião de Caldeira, nenhuma dessas medidas precisaria de um aumento de gasto de verbas. Bastaria alterar as prioridades.
O professor Márcio da Costa, que se aposentou recentemente da Faculdade de Educação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), aponta para outro problema: os docentes aprovados em concurso não têm incentivos de desempenho. A estabilidade do cargo acaba incentivando a inércia — embora muitos docentes se esforcem por conta própria. “Na prática, trabalha quem quer”, afirma ele, que acrescenta: “Você chega a professor titular pela escada rolante: você coloca o pé no primeiro degrau e chega lá em cima”.
Costa afirma que a contratação de professores em grande escala e a expansão do ensino superior por vezes atende interesses eleitorais e não segue um planejamento adequado. “Pode haver carência de professores em algumas áreas, mas isso está muito longe de ser um problema generalizado”, diz.
Os gastos com pessoal são um dos entraves ao bom funcionamento das instituições de ensino superior brasileiras. Em muitas universidades públicas, as despesas com pessoal chegam a 90% do orçamento total: ou seja, sobram poucos recursos para investimentos em estrutura e apoio à pesquisa.
Ainda assim, no que depender do Executivo, a proposta que expande o número de vagas para docentes nas universidades federais passará a valer ainda este ano. A medida depende do aval do Congresso Nacional.