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Lula mostra falha moral em resposta à guerra, diz autor – 26/11/2023 – Mundo

Da janela do escritório de onde concede essa entrevista, Yossi Halevi, 70, vê a Cisjordânia. A poucos minutos da casa onde vive o jornalista nascido nos EUA e que fez a “aliá” (retorno) nos anos 1980 está o muro que separa Israel do território palestino ocupado.

Foi também este o lugar onde Halevi escreveu “Cartas ao meu Vizinho Palestino” (ed. Contexto), livro no qual faz uma ode ao diálogo: pede que palestinos entendam que Israel se trata de uma questão existencial aos judeus. Assim como defende que judeus entendam que a Palestina é uma questão da mesma ordem para palestinos.

O autor americano-israelense, uma das principais vozes do pacifismo na região, demonstra sem melindres o ponto de virada que os ataques terroristas do Hamas no 7 de Outubro representaram. Halevi defende a ofensiva contra Gaza e a vê como uma necessidade para “purgar a humanidade de um mal profundo”. Por outro lado, sugere uma aliança árabe-israelense para governar o território palestino.

O diálogo que pregou em sua obra best-seller agora é considerado por ele impossível até que a facção terrorista seja eliminada. Halevi afirma que, como em tantos outros momentos da história, judeus se sentem “cada vez mais sozinhos”. Questionado sobre os discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que caracterizou a resposta de Tel Aviv como “tão grave” quanto os ataques do Hamas, aponta uma “falha moral”.

Em artigo no The Times of Israel, o sr. disse que este é um momento definidor na história judaica. Poderia desenvolver a ideia?

O massacre de 7 de outubro foi um golpe fatal a dois elementos do éthos israelense. Primeiro, na credibilidade da nossa força de defesa. Sem uma dissuasão militar forte, não teremos um futuro de longo prazo no Oriente Médio. Cerca de 15 anos atrás, Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, disse que Israel é como uma teia de aranha —parece formidável por fora, mas, assim que tocada, desintegra-se. Em 7 de outubro, Israel provou que era uma teia de aranha.

O segundo golpe foi contra a promessa que o Estado fez de que este seria o único lugar onde os judeus nunca morreriam em grande número em um estado de impotência. Mas hoje Israel é o país mais perigoso do mundo para ser judeu. Se Israel não derrotar o Hamas, não vamos desaparecer amanhã. Mas essa é uma guerra existencial a longo prazo.

Se falharmos em restabelecer nossa credibilidade militar e a credibilidade de Israel como um refúgio seguro para o povo judeu, então Israel está a caminho de ser um fracasso, um Estado falido.

O sr. também disse que esta onda global antissemita traz à tona o trauma judeu do isolamento…

A percepção no exterior é a de que Israel está lutando contra o Hamas. E isso é incompleto. Israel está lutando contra o Irã, contra os prepostos do Irã —Hamas na fronteira sul, e Hezbollah na norte. Este é um conflito regional. O mundo árabe e muçulmano contra Israel.

É um daqueles momentos na história judaica em que judeus se sentem cada vez mais sozinhos. Que o que é óbvio para nós é ignorado por muitas pessoas boas. Parece que estamos falando línguas morais diferentes. Para os judeus, o que aconteceu em 7 de outubro foi um surto de pura maldade. Ainda assim, grande parte do mundo trata a reação de Israel como tão ruim quanto o próprio massacre ou pior. Esse é o maior pesadelo judeu: ser massacrado e depois ser culpado por ser o agressor.

Dói profundamente que tantas pessoas não consigam fazer a distinção entre um Exército que tenta minimizar vítimas civis e um grupo terrorista que tenta maximizá-las. Toda guerra é uma tragédia. O que distingue a guerra como tragédia da guerra como barbárie é a intenção. Se sua intenção é salvar vidas, está lutando uma guerra de tragédia. Se é matar inocentes, está lutando uma guerra de barbárie.

O sr. é crítico ao governo Netanyahu. Como avalia a resposta dele à guerra?

Passei o último ano protestando todas as semanas contra este governo. Netanyahu é um homem corrupto, e este é um governo terrível de fundamentalistas religiosos e extremistas políticos. Ainda assim, aqueles que estávamos fazendo tudo o que podíamos para derrubar este governo agora concordamos que temos que nos unir para derrotar o Hamas. No dia seguinte ao fim da guerra, estaremos de volta às ruas. Por enquanto, há uma ameaça maior.

Sei que é difícil, insuportável, ver as cenas terríveis de Gaza. Mas espero que as pessoas entendam que, às vezes, não há escolha a não ser fazer coisas terríveis para purgar a humanidade de um mal profundo.

O sr. tem acompanhado as declarações do presidente Lula sobre a guerra?

Qualquer pessoa que reaja com maior indignação à resposta de Israel ao massacre do que ao próprio massacre tem uma falha moral. Não me sinto obrigado a ouvir ou respeitar essas vozes. Vejo essas vozes com desprezo. As pessoas que estão me tratando como se eu fosse um praticante de genocídio em vez de alguém que está tentando se defender contra uma ameaça genocida não têm nenhum direito moral sobre minha consciência. E se o presidente do Brasil se encaixa nessa categoria, se a carapuça servir, que assim seja.

Seu livro faz uma ode ao diálogo. O sr. ainda vê um diálogo possível?

Neste momento, não. E não estou rezando pela paz ou pelo diálogo. Estou rezando pela vitória. Na manhã após essa guerra, porém, todos acordaremos no mesmo Oriente Médio. E teremos que resolver isso.

A única maneira de resolver a tragédia palestina é por meio de um acordo regional. Minha esperança é que Israel, junto com parceiros árabes, crie uma base econômica para reconstruir Gaza e investir na Cisjordânia, e que gradualmente possamos caminhar em direção a um arranjo diferente.

Significa um Estado palestino? Isso agora é inconcebível para os israelenses. Se você falar com os israelenses agora sobre um Estado palestino na Cisjordânia, eles vão lhe dizer, de forma muito razoável, que, depois do que acabou de acontecer em Gaza, como poderíamos correr o risco de duplicar Gaza na Cisjordânia? A Cisjordânia fica a cinco minutos de Tel Aviv. Fica literalmente a dois minutos de onde estou sentado agora em minha casa, na última fileira em Jerusalém.

Temos que ter muito cuidado ao supervisionar a autodeterminação palestina. Temos de assegurar que tenhamos as garantias de segurança fortes. Mas precisamos começar esse processo.

O que pensa de uma eventual ocupação israelense em Gaza?

O que eu gostaria de ver nas etapas iniciais é uma força multinacional árabe-israelense. Os Estados do Golfo, o Egito, a Jordânia, o Marrocos, juntamente com Israel, garantindo que o Hamas não retorne. Vamos considerar Gaza como o primeiro projeto dos Acordos de Abraão.

A guerra deve radicalizar os cidadãos?

Inevitavelmente, vai radicalizar parte da sociedade israelense. É a experiência formativa para a geração mais jovem. Mas também sinto um processo oposto acontecendo: a maioria anseia por estabilidade.

Acabamos de ter o pior ano da história de Israel. Quando isso acabar, e não acredito que isso vá acabar tão cedo, terá um impacto traumático na psique israelense. Acredito que a maioria dos israelenses vai se mover para o centro. Provavelmente para a centro-direita.

Muitas pessoas traçam comparações com o Holocausto. O 7 de Outubro vai fazer parte da identidade nacional?

Com certeza. Não gosto de comparações com o Holocausto porque não somos os judeus do Holocausto. Podemos nos defender. O que fez o dia 7 de outubro parecer o Holocausto é que não nos defendemos. Mas vejo isso como uma aberração, uma falha momentânea.

Se você perguntasse aos israelenses “você prefere ser alvo de pena do mundo ou condenado?”, diriam que condenados. Não somos um país que quer se ver como vítima. No Ocidente progressista, a vitimização se tornou algo nobre, enquanto o éthos israelense é o repúdio da vitimização. Não vemos nada de nobre em ser vítima.

Se essa guerra terminar com o Hamas no poder, veremos Israel como um projeto fracassado. Se derrotarmos o Hamas, veremos o dia 7 de outubro como um aviso, mas não como um evento formativo.


Raio-X | Yossi Klein Halevi, 70

Nascido no Brooklyn, nos Estados Unidos, mudou-se para Israel em 1982 e vive em Jerusalém. É membro do Instituto Shalom Hartman e codiretor da Iniciativa de Liderança Muçulmana, que ensina jovens líderes americanos e muçulmanos sobre judaísmo, povo judeu e identidade de Israel. É autor, entre outros, do best-seller “Cartas para meu Vizinho Palestino”, publicado originalmente em 2018 e traduzido para o português em 2022 pela editora Contexto.

Fonte: Folha de São Paulo

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