Outrora um aliado, mas hoje um desafeto, Daniel Ortega, ditador da Nicarágua, afirmou em longo discurso nesta segunda-feira (26) que o presidente Lula (PT) busca ser “um representante dos ianques na América Latina” e se tornou “um puxa-saco”.
Ortega falava à cúpula de chefes de Estado da Alba, a Alternativa Bolivariana para os Povos de Nossa América, um grupo do qual Lula foi próximo em seus dois primeiros mandatos. Também participaram os ditadores da Venezuela, Nicolás Maduro, e de Cuba, Miguel Díaz-Canel.
Com a esposa e vice-presidente, Rosario Murillo, ao lado, o ditador falava lenta e pausadamente e trouxe Lula para seu discurso ao falar sobre o recente processo eleitoral na Venezuela, cujo resultado oficial não foi reconhecido por boa parte da comunidade internacional.
“Governos servis, traidores, puxa-sacos, que se apresentaram como muito progressistas, como muito revolucionários, agora dizem que é preciso repetir eleições”, afirmou Ortega, ao que citou o Brasil e Lula. Ele disse que a postura do brasileiro sobre o processo em Caracas é “vergonhosa”.
O petista e seu assessor especial para política externa, Celso Amorim, mais de uma vez sugeriram que se realizem novas eleições, uma proposta rejeitada pelo regime e pela oposição. Lula não reconheceu Maduro e insiste na divulgação das atas eleitorais.
Lula e Ortega foram aliados nos dois primeiros mandatos do petista, mas a relação deu um giro ao longo do último ano. O petista tentou dialogar com Ortega após seu reunir no Vaticano com o papa Francisco para pedir a liberação de lideranças católicas que o ditador nicaraguense tem colocado atrás das grades. Ortega se negou a falar.
Não vendo canal de diálogo, o brasileiro congelou as atividades da embaixada brasileira em Manágua como forma de represália. Mais recentemente, após o Brasil não enviar representantes a um evento que celebrava o sandinismo, Ortega expulsou o embaixador brasileiro, medida respondida da mesma maneira por Brasília.
“Um dia Lula foi visitar o papa e depois a chancelaria brasileira ligou dizendo que queria falar comigo porque tinha uma mensagem do papa”, disse Ortega. “O papa é um Estado, está claramente a favor do império, e se o império quer se comunicar com nós, pode fazer isso. Não precisamos de intermediários, nem pedimos a Lula que fosse um. Então não respondemos, e ele ficou chateado”, seguiu.
O tom sobe quando Ortega afirma que Lula o chamou de ditador, ainda que sem especificar quando e onde teria ocorrido essa fala.
“Quantos períodos de governo você teve, Lula? Já foram dois… [Lula na verdade está em seu terceiro mandato, não consecutivo]. Parece que gosta de ser presidente. E desse grande país que é o Brasil, quer se converter no representante dos ianques na América Latina. Por isso rompemos com o Brasil. São uma potência, e nós um país pequenino, mas temos algo que vale mais: dignidade, defesa da nossa soberania.”
Ortega diz que Lula está “se arrastrando”, assim como outros governos da região. Na Nicarágua, esse é um termo em espanhol para dizer que alguém é “puxa-saco”, neste caso, dos referidos ianques.
O ditador nicaraguense também sugere que houve corrupção durante os governos do petista. “E não me diga que suas gestões foram extraordinárias. Elas foram extraordinárias em alguns campos, quando foi presidente pela primeira vez, mas se lembre dos escândalos, das confusões, da Lava Jato. Aparentemente não foram governos muito limpos. E podia mencionar um mar de outras coisas.”
Ortega conduz um processo de autocratização que reduziu o espaço cívico e potencializou a repressão. Na última semana, de uma só vez, fechou 1.500 organizações, entre elas a Câmara de Comércio com o Brasil. Ao todo, já o fez com mais de 5.000 grupos. Também retirou a nacionalidade de centenas de nicaraguenses opositores.
Há pouco mais de um mês, em entrevistas a agências internacionais, Lula falou sobre o ex-aliado ao ser perguntado.
“O cara que fez uma revolução como o Daniel Ortega fez… Eu participei do primeiro aniversário daquela revolução. Era um bando de meninas e meninas armado de metralhadora que derrotaram o [ditador Anastasio] Somoza. Mas você faz uma revolução para quê? Por que você quer o poder ou por que você quer melhorar a vida do povo do seu país? É isso que está em jogo.”
Enquanto falava na cúpula da Alba, Daniel Ortega tinha ao seu fundo os quadros do ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez (1954-2013), fundador da organização, e de Augusto César Sandino, que dá nome à revolução que um dia ele ajudou a realizar.