Kamala Harris redefiniu a campanha que herdou de Joe Biden, e um dos grandes exemplos dessa virada é a escolha de Tim Walz como vice. O governador bonachão de Minnesota era em grande medida um desconhecido nacionalmente até criar uma das linhas de ataque mais efetivas contra Donald Trump e J.D. Vance agora: esses caras são esquisitões.
O discurso de Walz na noite desta quarta-feira (21) é o mais importante de sua carreira política e o mais importante do terceiro dia da convenção democrata, que acontece em Chicago.
“O governador vai destacar seus valores do interior, que moldaram sua vida de serviço público e compromisso com a proteção das liberdades que valorizamos”, disse o diretor-executivo da convenção, Alex Hornbrook, nesta quarta.
A estratégia é apostar no estilo “gente como a gente” de Walz, que ganhou as redes sociais com seu jeito meio caipira —”um pai do meio-oeste”, oficialmente, no vocabulário americano. Fotos do governador segurando um porquinho, pescando e curtindo um parque de diversões com a filha tomaram a internet.
O governador não mudou o tom brincalhão ao se tornar candidato a vice. Em seu primeiro discurso após o anúncio, em um comício na Filadélfia, Walz ousou ao aludir a um meme quente nas redes sociais que imputava a Vance, o vice da chapa republicana, uma tara por sofás —uma fake news, claro.
Humor é a novidade mais visível da campanha de Kamala em comparação com a de Biden. Enquanto o presidente pintava Trump como uma ameaça à democracia, engrandecendo-o, a vice escolheu apequená-lo, ridicularizando-o. A escolha de Walz mostra a força total nessa aposta.
“Tim e Kamala são pessoas que vêm do povo e trabalham pelo povo”, diz Marta Nieves, 87. Enquanto conversamos, duas pessoas nos interrompem para perguntar onde ela conseguiu o boné camuflado com os nomes “Harris Walz” –um dos itens mais quentes da convenção, é uma referência ao guarda-roupa de tiozão do vice.
Nieves é delegada do Nebraska, terra natal do governador de Minnesota. No sistema de colégio eleitoral da corrida americana, o estado é estratégico: só ele e o Maine preveem a possibilidade de dividir delegados entre os dois candidatos.
Nebraska é predominantemente republicano, mas democratas têm chance de vitória em um distrito, o núcleo urbano de Omaha. A expectativa de uma disputa apertada é tão grande que até esse único voto está sendo batalhado. Na semana passada, Walz estava fazendo campanha lá.
“Acho que Tim vai ajudar a ganhar esse voto, mas Trump tem sido muito bem-sucedido [na região] com suas mentiras. As pessoas estão confusas”, reconhece Nieves.
Até agora, a estratégia de escolher Walz parece estar fazendo efeito. O governador é mais bem avaliado do que seu par do lado republicano, mostra uma pesquisa AP-Norc divulgada nesta quarta. Segundo o levantamento, 36% dos americanos têm uma visão positiva do democrata, enquanto, no caso de Vance, esse percentual é de 27%.
O principal contraste, no entanto, é do lago negativo: Walz é mal visto por 25%, enquanto o vice de Trump, por 44%.
Há também o fato de que, como Vance, o vice de Kamala ainda é relativamente desconhecido: 4 em cada 10 americanos dizem não saber o suficiente sobre eles para emitir uma opinião.
Assim, para além da performance bem-humorada, Walz deve buscar também apresentar suas credenciais como um defensor dos direitos reprodutivos —Minnesota foi o primeiro estado a garantir o direito ao aborto após ele ser revogado da Constituição federal.
O governador também deve repetir sua experiência pessoal com a necessidade de passar por um tratamento de fertilidade, acusando republicanos de pretenderem limitar esse direito –alguns grupos conservadores são contra a fertilização in vitro.
Por isso, a convenção aproveita seu terceiro dia para dar espaço para ativistas pró-aborto, como representantes das organizações Liberdade Reprodutiva para Todos, Planned Parenthood e Emily’s List.
“Tim entende que nós não governamos um país ou um estado para a direita ou para a esquerda. Tim ganhou sua primeira eleição reconhecendo que nosso trabalho é mover as pessoas para o futuro, não importa o quanto Donald Trump tente nos levar ao passado”, disse o governador do Kentucky, Andy Beshear –derrotado por Walz na corrida pela vaga de vice– na manhã desta quarta.
Walz vai discursar após uma apresentação dos músicos John Legend e Sheila E., durante o horário nobre da convenção –o trecho entre 20h e 22h, no horário local– apresentado pela atriz e produtora Mindy Kaling. A mesma noite inclui um show de Stevie Wonder.
No rol das celebridades políticas, foram escalados para o penúltimo dia da convenção o ex-presidente Bill Clinton, a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, os governadores Josh Shapiro e Wes Moore, e a senadora Amy Klobuchar.
O lineup estrelado sucede uma balada na véspera, quando um DJ comandou o normalmente monótono processo de votação de cada delegação estadual no candidato do partido à Presidência e Vice-Presidência. Fizeram aparições no bloco o rapper Lil Jon, o diretor Spike Lee e a atriz Eva Longoria.
Rapidamente, uma montagem com os vídeos da festa e a versão tradicional da votação que ocorreu na convenção republicana no mês passado foram compartilhados pela campanha de Kamala.
Rumores de aparições surpresa de outras celebridades correm os corredores do United Center, que sedia a convenção. Os nomes mais quentes são o de Beyoncé, cantora da música-tema de Kamala, “Freedom”, e de Taylor Swift, que encerrou na terça seu tour pela Europa.