Pela primeira vez desde a noite de 4 de novembro de 2008, uma eleição presidencial ocorreu exatamente como eu esperava.
Tendo sido surpreendido tantas vezes, não posso me gabar de presciência. Mas acredito que o resultado da eleição de 2024 foi previsível. Apesar de todos os elementos imprevisíveis —a troca de candidatos, as tentativas de assassinato e a intervenção de Elon Musk— houve uma consistência não apenas nos fundamentos e no humor do país, mas também nas decisões que os democratas tomaram ou não tomaram ao longo do tempo. Repetidamente, eles suavizaram o caminho de Donald Trump à Casa Branca.
Era previsível, em primeiro lugar, que os eleitores puniriam a administração Joe Biden por não fazer grandes mudança na política após as eleições de meio de mandato, nas quais, apesar do desempenho superior dos democratas em disputas-chave no Senado, eles perderam a maioria na Câmara dos Representantes e não viram melhoria significativa nas baixas taxas de aprovação do atual presidente.
Triangular após uma derrota nas eleições de meio de mandato é uma tática para melhorar a posição de uma administração. Foi algo que os democratas em grande parte evitaram: não houve um impulso para um acordo legislativo abrangente sobre a redução do déficit, nenhuma aproximação séria em questões sociais, nenhuma reconsideração dos esforços para regulamentar carros movidos a gasolina ou perdoar empréstimos estudantis, e apenas um esforço pequeno e tardio para restaurar a ordem na fronteira sul.
Era igualmente previsível que o acúmulo de processos contra Trump criaria oportunidades políticas para ele e perigos para os democratas. Uma única acusação no caso dos documentos sigilosos teria tido uma história diferente. Mas ter vários casos baseados em uma gama de teorias criativas facilitou para o líder republicano unir os eleitores a ele com uma narrativa de perseguição —enquanto o fato de ele ter ido a julgamento só por um caso envolvendo mentiras sobre sexo trivializou os esforços para responsabilizá-lo.
Longe de vindicar o Estado de Direito, todo o projeto de processar um candidato à Presidência enquanto ele concorria previsivelmente tornou o Estado de Direito refém do processo político. E deixou os democratas na difícil posição de argumentar que Trump era um grave perigo porque ele poderia processar seus inimigos políticos —enquanto ele estava sendo processado em série.
Então era previsível, de fato dolorosamente óbvio, que Biden não estava preparado para os rigores de uma campanha de reeleição, muito menos para os rigores de mais quatro anos no cargo. Essa realidade o Partido Democrata acabou por reconhecer —mas tarde demais.
E esse atraso foi fatal devido à outra previsibilidade: que Kamala Harris, apesar da “política da alegria” e de todas as outras efusões estranhas que acompanharam sua ascensão repentina, simplesmente não era a candidata que um partido apresentaria se levasse a sério sua própria retórica sobre riscos existenciais da eleição.
Isso foi algo que os democratas previram por um tempo, o que foi parte do motivo pelo qual a negação sobre as capacidades de Biden persistiu. Mas houve um esquecimento deliberado dessa previsão. E depois disso tornou-se impolítico dizer qualquer coisa crítica sobre a candidatura de Kamala.
Alguma forma dessa mentalidade partidária sempre se apodera nos últimos dias de eleição acirrada. A Kamalamania me lembrou do breve espasmo de entusiasmo republicano por Mitt Romney que se seguiu à sua primeira performance no debate contra Barack Obama ,em 2012. Foi uma forma de apego apaixonado que ele nunca conquistou como candidato e que se dissolveu no instante em que os democratas venceram.
Mas essa eleição não teve a peça final da previsibilidade de 2024: a experiência de ver Trump superar as pesquisas.
Obviamente, o tamanho da amostra envolvida é pequeno, e era imaginável que os pesquisadores tivessem corrigido desta vez seus fracassos passados (mesmo que os próprios pesquisadores não apresentassem uma teoria unificada desses fracassos). Mas ainda não vejo como alguém que viveu 2016 e 2020 poderia ter ficado surpreso com uma corrida na qual Trump apresentou seus melhores números de pesquisa de todos os tempos fosse, em última análise, vencida por ele.
Enfrentar a surpresa deve ser um ponto de partida para os democratas, antes de entrarmos em debates sobre posicionamento de políticas ou a guerra cultural. Nos últimos anos, o progressismo foi consumido por um pânico sobre desinformação, um impulso em direção à gestão do discurso online e da cobertura da mídia para proteger o público vulnerável do apelo do populismo e do conspiracionismo.
A lição de 2024 não é que esse esforço gerencial falhou em proteger os eleitores indecisos de notícias falsas. É que ele teve sucesso em um propósito mais perverso: protegeu os progressistas da realidade de ver todas as maneiras pelas quais suas próprias escolhas estavam levando a uma derrota previsível.
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