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Kamala Harris mira história como 1ª mulher a governar EUA – 02/11/2024 – Mundo

Kamala Harris tem alguma experiência em eleições acirradas. Em 2010, quando disputou o cargo de procuradora-geral da Califórnia, ela superou por mísero 0,8% dos votos seu adversário republicano, Steve Cooley. A contagem de votos levou três semanas, Cooley discursou antes como eleito e jornais locais o declararam vitorioso. Mas ela venceu.

Essa eleição —nos Estados Unidos, titulares de procuradorias são escolhidos nas urnas— é o principal definidor da persona política de Kamala, a que a alçou ao cenário nacional como uma personagem ambiciosa, determinada, competente e um tanto arrivista, conforme a descreveram ao longo da carreira.

Catapultada a candidata democrata à Casa Branca de forma inédita, após pressão do partido e de apoiadores pela desistência do titular da chapa e atual presidente, Joe Biden, Kamala gosta de se apresentar como a resultante improvável das possibilidades que só os EUA, a seu ver, oferecem. “Eu vivi a promessa americana” é frase recorrente em seus discursos, um aceno ao imaginário nacional de que aquela ainda é, apesar de tudo, a terra das oportunidades.

A história de Kamala de fato tem elementos comuns com a de muitos americanos, embora seu sucesso meticulosamente talhado requereu variáveis excepcionais, além de um bocado de sorte. Diferentemente de seu adversário, porém, dinheiro e fama chegaram tarde à equação.

Kamala nasceu em 1964 em Oakland, cidade do outro lado da baía de San Francisco, filha de imigrantes que chegaram aos EUA por sua excelência acadêmica e se conheceram em meio aos protestos pelos direitos civis.

A mãe, Shyamala Gopalan, veio da Índia aos 19 anos, filha de uma família com recursos e trajetória de ativismo, para estudar biomedicina. O pai, Donald J. Harris , nasceu na Jamaica e consolidou-se em solo americano como professor e economista de inclinação à esquerda. Além da primogênita, o casal teve Maya, e pouco depois se separou.

Foi Shyamala que criou as meninas, com seu salário de pesquisadora e seus ideais de ativista, em uma vida de classe média com limitações na cidade de Berkeley, também na região de San Francisco.

A cientista, morta em 2009, é constantemente citada pela filha como a responsável por sua formação e como quem lhe infundiu a determinação do pioneirismo em ambientes predominantemente masculinos (eram poucas, mesmo na progressista Califórnia, as cientistas mulheres nos laboratórios médicos dos anos 1960, e eram menos numerosas ainda as pardas ou pretas, de origem estrangeira).

A identidade negra de Kamala tem sido usada pelos republicanos para atacá-la, como algo de que a democrata teria lançado mão tardiamente e por conveniência. Relatos antigos, no entanto, mostram que isso não é verdade.

Mesmo separada de Donald Harris, Shyamala criou as filhas com forte identidade negra e também dentro da cultura indiana. Kamala e Maya frequentaram a Igreja Batista quando crianças, e a mais velha fez parte da segunda turma de uma escola integrada, logo após a segregação racial ser abolida em salas de aula.

Em sua autobiografia, “As Verdades que nos Movem”, lançada no início de 2019, ela afirma que desenvolveu na escola o interesse pelo combate à violência, sobretudo contra as mulheres, que a levaria à carreira de promotora. Após se formar na histórica Universidade Howard, bastião da intelectualidade negra, estudou direito na Califórnia e logo entrou para o Ministério Público.

Reportagens dos anos 1990 e do início dos 2000 descrevem Kamala como uma profissional determinada e ambiciosa. Sua assertividade nos tribunais, bem como posições controversas, contrárias a penas mais severas para traficantes, chamaram a atenção da imprensa rapidamente.

Do início, como promotora no violento distrito de Alameda, até a chefia da procuradoria em San Francisco e depois ao topo da carreira estadual, entretanto, foi sua vida social que atraiu os jornalistas.

Kamala não omite o relacionamento que teve em 1994 e 1995 com o então deputado estadual Willie Brown, 30 anos mais velho que ela, conhecido por catapultar carreiras políticas locais. Com Brown ela ganhou espaço nas colunas sociais e dois cargos em conselhos estaduais, que, segundo reportagem de 2019 do site Politico, rendiam comissionamentos de US$ 80 mil ao ano sobre seu salário de promotora.

Ganhou também acesso à elite social e econômica californiana, estreitando laços que ajudariam a financiar sua carreira política nas três décadas seguintes. Projetada pelo novo cargo ao cenário nacional, contudo, ela se mostrou hábil em manter esses laços e expandi-los por conta própria.

Casou-se aos 39 com o advogado Douglas Emhoff, a quem conhecera num encontro armado por uma amiga em comum, e não teve filhos —o que se tornaria alvo de chacota de seus adversários, desatentos ao fato de que cada vez mais mulheres não se sentem obrigadas a procriarem. Ela mitiga essa crítica defendendo o direito a essa escolha e mostrando uma relação próxima com os enteados, Ella e Cole.

A política nacional era o caminho natural, e em 2016, embalada pela carreira sólida e por apoiadores generosos, Kamala se elegeu senadora pela Califórnia, tornando-se a primeira mulher negra a fazê-lo no estado —a segunda no país— e também a primeira com ascendência do sul asiático.

Chegou a disputar a candidatura democrata à Presidência em 2020, mas encerrou sua campanha antes mesmo de participar da primeira primária, desestimulada. Kamala era esquerdista demais para os democratas de centro, por suas posições econômicas, e direitista demais pela ala mais à esquerda pelas posições em segurança (em entrevista neste ano, disse que atiraria em quem invadisse sua casa).

Foi Biden, a quem ela só anunciou apoio em 2020 quando não havia alternativa, que a levou à Casa Branca, ao ver na senadora um aceno ao eleitorado da Costa Oeste, às mulheres e aos negros.

Ao tornar-se a primeira mulher na Vice-Presidência do país, cativou a cultura pop, conquistando apoio de celebridades, uma imitação memorável no humorístico Saturday Night Live (na pele da atriz Maya Rudolph) e comparações com a cínica Selina Meyers, de “Veep” (Julia Louis-Dreyfus, intérprete da personagem, faz campanha por ela).

Kamala diz em seu livro que, no dia em que Donald Trump foi eleito para a Casa Branca e ela para o Senado, após celebrar seu feito ela se afundou no sofá, ao lado do marido, para acompanhar a apuração presidencial madrugada adentro. Devorou, sozinha e sem dizer palavra, um saco imenso de salgadinhos alaranjados pensando no que seriam os próximos quatro anos. Na próxima terça, precisará de estômago.


É considerada da ala mais à esquerda do partido pela defesa de maior intervencionismo econômico em termos de subsídios sociais, além do fim de benefícios fiscais para altos estratos de renda, críticas a Israel pela guerra em Gaza e defesa do maior controle para a posse de armas; também apoia o direito ao aborto e a expansão de direitos para pessoas LGBTQIA+.

Origem: Nasceu em Oakland, na Califórnia, em 20 de outubro de1964, filha de Shyamala Gopalan Harris, cientista biomédica indiana (morta em 2009), e Donald J. Harris, economista jamaicano-americano, ambos imigrantes.

Família: Casou-se com o advogado Douglas Emhoff em 2014 e tem dois enteados, Ella e Cole.

Formação: Ciência política e economia (Universidade Howard), direito (Universidade da Califórnia em San Francisco).

Ganhou fama nacional como procuradora-geral da Califórnia, de 2011 a 2017.

Entrou na política ao ser eleita senadora em 2016. Continuou no Senado até ser eleita vice-presidente em 2020 na chapa de Joe Biden, com quem disputara a candidatura democrata naquele ano; com a pressão para Biden desistir da eleição neste ano devido à idade, assumiu a chapa do partido.

Apoiadores célebres: Sheryl Sandberg (executiva de tecnologia), Reid Hoffman (cofundador do Linkedin), Melinda French Gates (filantropa), Ron Conway (megainvestidor), Sam Altman (CEO da OpenAI), Taylor Swift (cantora), Beyoncé (cantora), George Clooney (ator).

Fonte: Folha de São Paulo

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