O violino dramático já está tocando quando alguém na multidão estende o braço e entrega um bastão a Javier Milei. Sobe-se o som, emudece-se a plateia, desacelera-se a imagem e, durante três segundos, o político se emociona contra a luz, empunhando o objeto de madeira e prata que a cada quatro anos é passado ao novo presidente da Argentina —nesse caso, de plástico.
Uma semana antes, o presente oferecido pela mão desconhecida que surge ao lado da caminhonete são luvas de boxe, vestidas ao ritmo da trilha sonora de Rocky Balboa, que soma mais emoção à comemoração efusiva do político de jaqueta de couro. As motosserras, que agora chegam em filas nas mãos de fãs e representam cortes nos gastos estatais, já estão ficando velhas.
“A minha salvação é o que as pessoas levam para ele nas carreatas, não posso postar toda vez um vídeo de motosserra”, diz o rapaz de 23 anos que está do outro lado da tela. Tomas Redrado faz parte do grupo de jovens da geração Z que, de suas casas ou do oitavo andar de um arranha-céu em Porto Madero, em Buenos Aires, pensam todos os dias em como fazer o ultraliberal viralizar.
Desde as eleições primárias de agosto, quando Milei superou as duas maiores forças políticas do país, Redrado teve que contratar um estagiário e se mudar para a capital para reduzir o tempo perdido no trânsito. Não estava mais dando conta das 12 horas diárias de produção e edição dos vídeos que sobe em redes como TikTok, YouTube, X, Instagram e Facebook pelo perfil El Peluca Milei.
Faz isso sem ganhar um centavo do candidato, afirma. Em troca, ele tem acesso quase irrestrito à equipe de campanha e monetiza em dólares cada vez mais seus canais, que totalizam mais de 4,4 milhões de seguidores. Alguns influencers somam ainda as doações dos fãs, colocando uma espécie de “chave Pix” na tela.
Gostam de reforçar como tudo é orgânico e espontâneo. “Todos esses jovens se reuniram por conta própria. Eles estão aqui porque é útil para eles e também porque acreditam no projeto. Isso multiplicado por milhares em toda a Argentina gerou uma onda”, afirma Agustín Romo, 27, diretor de comunicação digital da coalizão A Liberdade Avança e candidato a deputado provincial.
Ele foi o responsável por aproximá-los da campanha quando Milei ainda concorria a deputado nacional, em 2021. Foi nessa época também que Iñaki Gutiérrez, estudante universitário de 22 anos, convenceu o economista a criar uma conta no TikTok, explicando o potencial massivo da rede. Até hoje é o único perfil oficial que não é controlado pelo próprio libertário.
O grupo não costuma mencionar tanto, por outro lado, a aproximação de Fernando Cerimedo, especialista em marketing digital e consultor político que ficou conhecido no ano passado no Brasil por fazer uma live com ataques contra as urnas eletrônicas a convite de bolsonaristas. Recentemente, deputados do PSOL pediram que ele seja convocado pela CPI do 8 de Janeiro.
Em maio, o argentino admitiu ao jornal La Nación que usa trolls com inteligência artificial, não para insultar outros candidatos, diz, mas para “enganar os algoritmos” e tornar determinados temas mais relevantes. Segundo a publicação, ele agora se dedica a outros aspectos da campanha, como organizar uma turnê acompanhada pelos streamers ou coordenar grupos de fiscais de urnas.
O grupo minimiza esse fator. “Existem muitos conceitos do que é um troll. Para mim várias pessoas sentadas tuitando em vários perfis é um troll, por exemplo. O Milei não precisa disso, as pessoas o apoiam por conta própria, ao contrário de outras forças políticas que precisam contratar um monte de gente”, defende Mariano Pérez, 20, dono do canal Break Point, com 130 mil inscritos no YouTube.
Ele se dedica especialmente a ironizar jornalistas que criticam o candidato nos programas televisivos, conforme conta em frente a um enfeite do famoso touro de Wall Street. O animal está por todos os lados no escritório onde eles passam a maioria dos dias, da empresa de investimentos de Ramiro Marra, libertário que concorre ao governo da cidade de Buenos Aires.
Assim como Redrado, que atende a um telefonema andando num skate elétrico com luz neon pelos corredores, Mariano começou estudando jornalismo esportivo, mas a política logo se mostrou mais atrativa —e lucrativa.
Ambos dizem que Milei preencheu um vácuo discursivo num momento em que os jovens já não se sentiam representados nem pelo kirchnerismo à esquerda, nem pelo macrismo à direita. O economista também toma força durante a pandemia, quando muitos desses jovens estavam confinados em suas casas aprofundando discussões antiprogressistas e antifeministas.
“Desde criança sempre tive ideias liberais. Em 2016, quando Milei começou a se destacar, eu tinha uns 16 anos, passava o dia todo no YouTube ou nas redes sociais, e adorava como ele discutia com os jornalistas, como defendia suas ideias com paixão. Eu pensava: é isso que eu penso”, afirma. Como também não se sentia abarcado pelos grandes meios, resolveu criar o seu próprio.
Naquela época, o anarcocapitalista ainda começava a ganhar fama indo à televisão bradar e muitas vezes gritar contra os políticos de todos os lados, espalhando suas ideias, que depois se amplificariam no Congresso. Muito antes, já o fazia nas salas de aula, como professor de macroeconomia em universidades argentinas e estrangeiras.
“Percebo que muitos meios de comunicação não viram o que estava acontecendo até o dia das eleições, mas nós nas redes sociais já sabíamos há um tempo. Não era normal que um político postasse um vídeo e tivesse oito milhões, dez milhões de pessoas assistindo, de todas as idades, no país e no mundo todo”, diz Redrado.