O brasileiro Bernardo Rech, 22, passou os últimos seis meses estudando na Universidade Nacional de Taiwan, a maior da ilha. Nas conversas com os colegas do curso de ciência política, a China é assunto recorrente, conta ele.
“Mas tem outros, que ficaram mais evidentes, como a questão da moradia. Está muito difícil para os estudantes taiwaneses que vêm de Kaohsiung, de Taichung, achar alguma coisa em Taipé”, diz, referindo-se a cidades a cerca de 350 km e 170 km da capital, respectivamente. O aluguel em Taipé subiu 128% desde 2016.
As questões que mobilizam os jovens taiwaneses são diversas. Algumas delas são inusitadas, como acidentes de trânsito, mais comuns na ilha do que em outros países da região. Outras são de compreensão fácil, como a ampliação do serviço militar obrigatório de quatro meses para um ano, começando em 2024, por decisão do atual governo.
O grupo político na Presidência, o Partido Democrático Progressista (PDP), identificou-se com estudantes e jovens profissionais ao ascender ao poder, há oito anos, mas novas bandeiras foram surgindo, assim como o desgaste pelo que a sigla fez ou deixou de fazer no governo.
O atual vice-presidente Lai Ching-te, 64, candidato governista, vem sendo cobrado nesse sentido. Em entrevista coletiva nesta semana, reconheceu o problema da habitação, por exemplo, mas não chegou a apresentar resposta.
“Os jovens em Taiwan têm expressado de fato muita insatisfação com os preços da moradia nos últimos anos, bem como com algumas questões como o emprego e a educação”, disse. “Isso é algo que o governo deveria prestar atenção.”
Partiu daí para justificar a situação lembrando a Covid-19, que afetou Taiwan “tal como o resto do mundo”, inclusive na economia. Elogiou a presidente Tsai Ing-wen como a governante “que mais investiu na sociedade” e prometeu continuar “fortalecendo as áreas insuficientes”.
Também em entrevista, o principal candidato de oposição, Hou Yu-ih, 66, do Kuomintang (KMT), criticou o governo por ter “tirado vantagem do movimento estudantil” oito anos atrás e, ao chegar ao poder, não cumprir o prometido. Mas ele, a exemplo de Lai, não tinha soluções a oferecer sobre temas como moradia.
Seu candidato a vice, Jaw Shau-kong, 73. apresentador de um programa policial semelhante ao de José Luiz Datena no Brasil, relatou que tem feito encontros em universidades e que “não há dificuldade de comunicação com os jovens”.
Diz que “eles costumavam apoiar o PDP, mas muitos mudaram isso”, o que se refletiu nas eleições para prefeito, com o Kuomintang vencendo em cidades como Taipé e Nova Taipé. “Eles podem pensar que nós somos conservadores, mas já foi diferente em 2022. Se você quer mudança, tem que concentrar o voto no KMT.”
Trata-se de um pedido de voto útil. O presidenciável mais identificado com jovens, o ex-prefeito de Taipé Ko Wen-je, 64, do Partido do Povo de Taiwan (PPT), ficou para trás, ao menos nas pesquisas até o final de dezembro, e o KMT se fixou como alternativa ao governo.
Mas é pouco provável que consiga avançar nessa faixa. Uma das principais bandeiras de Hou e Jaw é a manutenção da pena de morte, e eles usam com frequência o tema para confrontar Lai, uma vez que seu partido é programaticamente a favor da abolição, embora o próprio candidato evite o assunto.
O resultado é que não há maior identificação com a eleição, desta vez, e jovens podem acabar desistindo de votar.
O estudante de engenharia Chuang Bro, 25, da Universidade Nacional, diz não ver diferença entre os três candidatos a presidente, mas conta que pretende votar no PDP para presidente por causa da candidata a vice, Hsiao Bi-khim, e em outra legenda para o legislativo.
“Eu não apoio partido, voto na pessoa”, justifica. Ele questiona o atual governo por estar abandonando a energia nuclear, uma das bandeiras que levaram Tsai a vencer duas vezes, mas perderam força. “Eu prefiro nuclear, sim, porque a poluição do ar em Taiwan é terrível, carros demais, scooters.”
Ele também discorda da atenção dada à ameaça de guerra na cobertura da imprensa sobre as eleições. “Eu sou sensato”, diz. “Quando digo que a China não vai atacar Taiwan, é porque eu estava lá até duas semanas atrás. Eles descrevem o PDP como um partido do mal, sim, mas o principal é que eles querem paz.”
Chuang conta que esteve em cidades como Xangai, Pequim e Nanjing para competir como tenista. Sua conclusão foi de que “eles realmente odeiam os japoneses e, se quiserem atacar, [seu alvo] será o Japão, não Taiwan, e não durante a minha vida”.
Em meio aos comícios finais, na sexta à noite, Ko voltou a impressionar pelas proporção de apoiadores que reuniu –e pelo contraste entre a juventude de seu público e a idade dos que foram ouvir Lai na noite anterior, no mesmo local, diante do palácio presidencial em Taipé.
Um fator de difícil avaliação em relação a Ko e as pesquisas é o impacto do TikTok. A plataforma de mídia social tem grande penetração em Taiwan, garantindo popularidade para ídolos pop chineses como Ren Ran e Zhang Yuan.
Enquanto Lai e Hou nem sequer têm perfil no TikTok, Ko tem perto de 200 mil seguidores, e sua campanha distribui vídeos em que seus dicursos são transformadas em rap.
Uma pesquisa divulgada em dezembro, feita pela Universidade Nacional Chung Cheng com 1,1 mil usuários do TikTok em Taiwan, mostrou afinidade entre o programa do candidato do PPT e o que os entrevistados defendiam.
Por exemplo, 39% responderam considerar a construção de unidades da gigante taiwanesa de chips TSMC no Arizona como um ato de exploração dos EUA. E 46% disseram que Taiwan deveria assinar um acordo comercial com a China. São dois pontos repisados por Ko.
Por outro lado, com Taiwan liderando o ranking de menor natalidade no mundo, jovens são uma força política em baixa. Os eleitores entre 20 e 29 anos respondem por 16,2% do total, quase empatados com aqueles entre 60 e 69 anos, que alcançam 15,7%, segundo a comissão eleitoral da ilha.