— A Terra é plana, li no X.
— Não diga isso, a Terra não é plana.
— O dono do X diz que eu posso dizer o que eu quiser: mesmo, “a Terra é plana”.
— Mas ela não é plana.
— Tem muita gente diz que é!
— Quem diz isso?
— Muita gente no X.
Qualquer imbecilidade pode chegar à qualidade de “ideia fraturante” logo que exista alguém disposto a ouvi-la. E a circulação descontrolada dessas mentiras pode mesmo viralizar se o imbecil e a ideia compartilharem uma plataforma onde mais imbecis podem dizer o que lhes apetece, como…
O chocolate é feito de grãos de areia. Os gatos podem prever o futuro. As bananas são um tipo de peixe que se adapta à vida em terra. Há menos acidentes em lugares onde a Terra é plana. A Terra é um disco sustentado por quatro elefantes gigantes. A Terra é plana, li no X.
Qualquer ideia, mesmo que amplamente desmentida pela ciência, ganha força e audiência quando é repetida à exaustão, sobretudo em algumas comunidades online.
Um estudo publicado na revista Science em 2018 (leia aqui, em inglês) revelou que as notícias falsas têm 70% mais chances de serem “retuitadas” do que as verdadeiras, e que esse fenômeno é impulsionado principalmente por pessoas, não por bots.
As razões para essa rápida disseminação incluem o fato de que elas costumam ser mais surpreendentes, provocativas ou emocionalmente intensas do que simples notícias verdadeiras, o que faz com que as pessoas tenham mais probabilidade de compartilhá-las, muitas vezes sem verificar sua veracidade.
É pensando nisso (e em nada mais) que o proprietário do X defende que os usuários têm o direito de expressar suas opiniões, independentemente da sua plausibilidade ou mesmo veracidade. Porque o tráfego que elas geram, para ele, é dinheiro.
Como sempre aconteceu, quando uma nova tecnologia surge, as mudanças que ela traz para a sociedade nunca são imediatamente regulamentadas, o que inevitavelmente leva a um período de incerteza legal devido à falta de legislação específica.
A questão torna-se ainda mais complexa quando consideramos empresários globais, como Elon Musk, que podem influenciar a opinião pública e se beneficiar de conflitos sociais. Defender as democracias desses indivíduos, que utilizam as divisões sociais para lucro próprio, é um dos maiores desafios da humanidade, tão relevante como proteger o planeta das alterações climáticas.
Dirão os fundamentalistas que a liberdade de expressão é um direito inalienável, mas hoje é crucial que haja limites para evitar a disseminação de informações falsas. Mesmo que a imposição desses limites nos pareça um atropelo intolerável à democracia.
A Terra é redonda. Ponto final.
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