As forças de Israel operando dentro da Faixa de Gaza intensificaram suas ações mirando o centro nervoso do Hamas, grupo terrorista cujo ataque contra o Estado judeu há um mês detonou a mais recente guerra no Oriente Médio.
Ao longo desta terça (7), os combates foram focados no campo de refugiados de Al Shati, conhecido como Praia, por ficar entre o centro da capital homônima de Gaza e o porto mediterrâneo do território palestino governado pelo Hamas desde 2007.
Segundo relato da imprensa árabe, feito também por jornais israelenses e à Folha por analistas em Tel Aviv, o objetivo israelense é tomar o campo para dali lançar um delicado assalto contra o chamado distrito da segurança de Gaza, que concentra os centros oficiais da estrutura militar do Hamas, e o hospital Al Shifa, o maior da cidade.
Segundo a avaliação da inteligência israelense, o hospital abriga importante centro de comando do Hamas. O problema, óbvio, é como fazer isso sem ferir a quarta Convenção de Genebra, que veta ataques a hospitais.
Não é segredo ou propaganda israelense que os terroristas se escondem em estruturas civis e lançam ataques de áreas próximas a elas. Na narrativa de Tel Aviv, isso inclusive visa aumentar o número de vítimas inocentes, virando a opinião pública internacional contra Israel.
Retire-se essa acusação e o problema continua existindo, contudo. O porta-voz militar israelense, almirante Daniel Hagari, disse na segunda que suas forças iriam entrar em qualquer lugar necessário, inclusive hospitais.
Isso só deve recrudescer a pressão sobre o governo de Binyamin Netanyahu, criticado diariamente pela ONU e diversos países pelas vítimas civis de sua retaliação contra Gaza. O apoio que de fato interessa, o dos Estados Unidos, está garantido até porque Washington precisa manter o equilíbrio de forças na região contra avanços do rival Irã, que apoia o Hamas e outros aliados, como o Hezbollah libanês.
Mas mesmo em Washington há reclamações cada dia mais visíveis contra a campanha israelense, particularmente pelo desconhecimento de um plano em caso de vitória militar. A eleição presidencial de 2024 pesa: em desvantagem para Donald Trump nas pesquisas, Joe Biden foi advertido por grupos à esquerda do Partido Democrata que o apoio total a Israel lhe custará milhões de votos, disse a rede NBC.
Com efeito, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, fez um giro pela região buscando mediar algo parecido com um cessar-fogo. Não conseguiu, mas levou Netanyahu a admitir “pausas” em ataques para fins humanitários, uma forma de ganhar tempo publicamente enquanto aperta o cerco.
Mais significativamente, o premiê sugeriu que Israel cuidará da segurança de Gaza de forma indefinida, e seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, completou nesta terça o raciocínio dizendo que as Forças de Defesa de Israel, iriam “operar livremente em Gaza” depois da guerra.
Radicais de direita da coalizão de Netanyahu falam abertamente em retomar o controle do território, que Israel deixou em 2005 para a ANP (Autoridade Nacional Palestina), que o perdeu para o Hamas dois anos depois. “Não podemos derramar sangue de nossos soldados e depois entregar Gaza para a ANP”, disse o deputado Simcha Rothman (Partido Sionista Religioso).
Tel Aviv busca um primeiro troféu para mostrar à opinião pública doméstica e internacional, e o efetivo isolamento do norte da Faixa de Gaza e sua compressão por forças blindadas e de infantaria que já cercaram a capital pode fornecer isso.
Apesar do evidente dano ao poderio do Hamas e da contenção de seus aliados pela dissuasão fornecida por porta-aviões e outras forças dos EUA, isso nem de longe significa o fim do grupo, que tem sua liderança política no exterior e a militar, espalhada por diversos pontos de Gaza —além de células na Cisjordânia e sul do Líbano, ambas áreas sob pressão de Israel.
Em solo, a expectativa israelense é de que suas perdas, na casa dos 30 soldados até aqui, venham a crescer. Mas o avanço relativamente rápido da ofensiva terrestre tem chamado a atenção de observadores, que notam a adoção de táticas de guerrilhas do Hamas baseadas na sua rede de 500 km de túneis sob Gaza.
A dúvida que fica é se os comandos palestinos estão sendo obliterados com a brutal campanha aérea israelense, que emprega armas de destruição de bunkers, ou estão aplicando apenas táticas clássicas de “atacar e fugir” de guerrilha. A bruma da guerra e a impossibilidade de uma cobertura jornalística independente impedem, nesse momento, ter clareza do que ocorre.
O ataque a Al Shatia envolve outros fatores. O campo, estabelecido após a expulsão de árabes de áreas que hoje ficam em Israel na guerra de 1948, é também a base familiar do líder do Hamas, Ismail Haniye, que já teve casas de parentes destruídas nesta guerra.
Ele, como toda a direção do Hamas, vive luxuosamente em hotéis e casas, principalmente no Qatar, mas também na Turquia, países que apoiam o grupo palestino —Haniye deve se encontrar com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, nesta semana.
Até aqui, os comandantes militares que ficaram em Gaza ou foram mortos, ou conseguiram fugir, principalmente para a região sul da faixa, para onde Israel pediu que os civis se concentrassem. Ali, onde estão dos 34 brasileiros e agregados retidos na região, não há tanques, mas seguem os bombardeios de Tel Aviv.
É impossível realocar a totalidade dos moradores da capital e das regiões ao norte, que concentra as operações militares. Sem surpresa, nas contas oficiais do Hamas, 60% dos cerca de 10 mil mortos são dessas áreas. O grupo não discerne seus ativos de civis. Em Israel, o mega-ataque de 7 de outubro deixou quase 1.400 mortos, cerca de 300 deles militares, e há em torno de 240 reféns.
A esse cenário principal soma-se a frente secundária da guerra, na forma de escaramuças mais pesadas entre Israel e o Hezbollah e os ataques com mísseis de rebeldes pró-Irã no distante Iêmen, numa costa oposta ao sul israelense no mar Vermelho.
Nesta terça, houve nova troca de fogo após os libaneses dispararem cerca de 30 foguetes contra o norte de Israel. O Hamas, usando projeteis de maior alcance, lançaram 18 contra Haifa, principal cidade costeira da região.