Para seus alunos, Ahmad al-Khatib era vice-diretor de uma escola primária na Faixa de Gaza administrada pela UNRWA, a agência das Nações Unidas para refugiados palestinos. Para a ala militar do Hamas, documentos apontam que ele era algo completamente diferente: um soldado de infantaria atuando na cidade de Khan Yunis, no sul do território palestino.
Essa divisão do Hamas, conhecida como Brigadas Qassam, mantinha registros meticulosos de seus membros, rastreando as armas que lhes eram fornecidas e avaliando regularmente desde sua aptidão física até sua lealdade.
Al-Khatib, funcionário da agência da ONU desde 2013, estava entre eles. Documentos internos secretos do Hamas compartilhados com o The New York Times pelo governo israelense dizem que ele tinha o cargo de comandante de esquadrão, era um especialista em combate terrestre e havia recebido pelo menos uma dezena de armas, incluindo um fuzil Kalashnikov e granadas.
A UNRWA operava escolas em toda Gaza, antes de estas serem fechadas após o ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 e a subsequente guerra.
A agência da ONU, que emprega cerca de 13 mil pessoas, incluindo milhares delas em escolas, deve garantir a neutralidade de suas instalações nas zonas de conflito, evitando a presença de militantes tanto em suas dependências quanto em suas folhas de pagamento.
Mas entrevistas e uma análise dos registros compartilhados com o Times pelo Exército israelense e pelo Ministério das Relações Exteriores indicam que al-Khatib era um dos pelo menos 24 funcionários da UNRWA — em 24 escolas diferentes — que integravam o Hamas ou o Jihad Islâmico, outro grupo terrorista.
A maioria eram administradores nas escolas —diretores ou vice-diretores—, e o restante eram orientadores e professores, dizem os documentos. Quase todos os educadores ligados ao Hamas, de acordo com os registros, eram membros das Brigadas Qassam.
Antes da guerra, a agência era responsável por um total de 288 escolas, localizadas em 200 prédios diferentes, em Gaza.
O Exército israelense disse ter obtido os documentos durante sua ofensiva no território. Embora o Times não tivesse como comprovar de forma independente a autenticidade dos registros, eles apresentam semelhanças com outros do Hamas que o jornal examinou.
Funcionários da UNRWA afirmam que Israel está conduzindo uma campanha para desacreditar a agência e, em última instância, fechá-la.
A agência há muito tempo fornece educação, cuidados de saúde e outros serviços a milhões de palestinos em Gaza, Cisjordânia, Líbano, Síria e Jordânia, e transformou muitas de suas escolas em abrigos durante o conflito atual.
É difícil, dizem os agentes da ONU, garantir que não haja militantes entre os trabalhadores da agência em Gaza, onde é um dos maiores empregadores.
As escolas da agência em Gaza se tornaram um ponto de conflito. Cerca de 200 instalações da UNRWA foram atingidas desde o início da guerra, muitas delas instituições de ensino. Israel afirma que o Hamas usou os prédios para fins militares e para esconder seus membros, tornando-os alvos legítimos sob o direito internacional. Mas as Nações Unidas afirmam que os ataques israelenses às escolas provavelmente violaram a lei ao causar danos desproporcionais a não combatentes.