O regime fundamentalista do Irã suspendeu o processo de implementação da “lei do hijab e da castidade”, que prevê penalidades ainda mais severas para mulheres que se recusarem a usar o véu muçulmano em público.
A controversa lei, aprovada pelo Parlamento em setembro de 2023, não será mais enviada para sanção do Executivo nesta semana, como estava previsto, declarou na segunda-feira (16) um dos vice-presidentes do regime.
A decisão foi divulgada num momento em que, nos bastidores, integrantes da liderança iraniana levantaram o temor de que a nova legislação pudesse resultar em novos protestos de rua, como ocorreu em 2022.
Na prática, isso significa efetivamente que o Irã suspendeu —pelo menos temporariamente— a promulgação da legislação.
“De acordo com as discussões realizadas, foi decidido que esta lei não será remetida ao governo [regime] pelo Parlamento por enquanto”, disse Shahram Dabiri, o vice-presidente responsável pelos assuntos parlamentares, em entrevista veiculada pelo jornal pró-reformista Ham Mihan.
A decisão de suspender a legislação foi tomada pelos principais órgãos executivos, legislativos e judiciais, disse ainda Dabiri. Neste momento, “não é viável aplicar este projeto de lei”, acrescentou, sem entrar em pormenores.
Antes do anúncio, o presidente reformista do Irã, Masoud Pezeshkian, já havia expressado que a lei tinha “muitas dúvidas e ambiguidades”.
Resistência
Apesar de as iranianas serem forçadas pelo regime fundamentalista a cobrir os cabelos em público desde a Revolução Islâmica, em 1979, o número das que se recusam a fazê-lo vem aumentando.
A tendência se intensificou após a morte da curdo-iraniana Jina Mahsa Amini em 2022, aos 22 anos, presa pela “polícia da moralidade” do regime por supostamente infringir o código de vestimenta.
O crime sob custódia policial provocou amplos protestos por mudanças políticas, em grande parte liderados por mulheres e jovens colegiais.
Além disso, inspirou o movimento Mulher, Vida, Liberdade, que desafia a imposição pelas autoridades do hijab obrigatório. A repressão que se seguiu à morte de Amini, com duração de um mês, provocou a morte de mais de 500 pessoas e levou à detenção de mais de 22 mil.
Se o projeto de lei tivesse sido remetido para o governo, o presidente do Irã teria tido pouca margem de manobra. Por lei, ele seria obrigado a sancioná-lo no prazo de cinco dias, para entrada em vigor dentro de 15 dias. O presidente não tem autoridade de veto.
Apesar da suspensão na implementação na lei, o regime continua perseguindo mulheres. No sábado (14), a cantora iraniana Parastoo Ahmadi foi detida depois de ter realizado um show transmitido no YouTube sem usar o véu obrigatório. Para além da lei do hijab obrigatório, as mulheres são proibidas de se apresentar como cantoras solo no Irã.
Penas
O texto da nova lei, com 74 artigos, prevê multas de US$ 800 (cerca de R$ 5 mil) para as primeiras infrações e de US$ 1.500 (R$ 9,.200) para reincidentes, seguidas de penas de prisão de até 15 anos para a terceira infração em diante.
Pela lei, as mulheres afetadas têm prazo de dez dias para pagar as multas, de outro modo ficando sujeitas a restrições no acesso a serviços públicos, como expedição ou renovação de passaportes, carteiras de motorista e permissões para sair o país.
A lei ainda ameaça estabelecimentos comerciais com fechamento e multas se forem servidas ou atendidas mulheres que não usem o véu na cabeça.
A lei ainda prevê que os cidadãos estrangeiros, incluindo os milhões de afegãos que vivem no Irã, possam ser recrutados como informantes, denunciando as mulheres que não usem o hijab. Os proprietários de estabelecimentos comerciais e os motoristas de táxi seriam encorajados a também denunciarem mulheres.
As instituições públicas ficam também obrigadas a disponibilizar imagens de suas câmeras de vigilância para auxiliar a polícia a identificar as opositoras do hijab obrigatório –igualmente sob pena de multas e de demissão dos funcionários implicados.
Segundo a analista política iraniana Mary Mohammadi, residente nos Estados Unidos, o objetivo é conter as ações das mulheres, tornando sua luta cara demais: “A lei busca impedir o avanço das exigências femininas; fortalecer a moral dos apoiadores ideológicos do sistema; exaurir a psiquê da sociedade ao criar conflitos abrangentes no quotidiano; e enfraquecer o potencial revolucionário liderado pelas mulheres.”