No dia seguinte ao ataque maciço com mísseis contra Israel, o Irã afirmou que considera sua retaliação pelas mortes dos líderes do Hamas e do Hezbollah encerrada. Salvo, claro, caso o Estado judeu promova a ação de resposta que prometeu executar.
Na noite de terça (1º), Teerã disparou 181 mísseis balísticos contra alvos em Israel. A ação foi menor em escopo do que o ataque de abril, o primeiro do gênero na história, quando 330 projéteis foram lançados, mas foi mais poderosa do ponto de vista militar.
Isso é aferível a partir de dados divulgados nesta quarta (2) pelas Forças Armadas de Israel, segundo as quais apenas modelos balísticos foram empregados pelos iranianos. No ataque anterior, haviam sido usados 120 mísseis do tipo, mais 30 de cruzeiro e o restante do arsenal, de drones.
Mísseis balísticos como o Shahab-3, o principal do arsenal de Teerã, cumprem uma parábola rumo ao alvo, deixando a atmosfera no meio do caminho. Na reentrada, podem atingir velocidades hipersônicas, próxima dos 18 mil km/h.
Considerando o modelo básico usado pelos iranianos, que leva uma ogiva com 1 tonelada em média de explosivos, o ataque teve grande potencial destrutivo. Numa conta feita pelos militares israelenses, 100 kg de TNT são necessários para pôr abaixo um prédio de 16 andares. A ação, portanto, poderia derrubar em teoria 1.800 edifícios do tipo.
Israel não dá números, mas disse ter abatido a maior parte dos mísseis, que também foram interceptados por três navios de guerra americanos no mar Vermelho e pela defesa antiaérea da Jordânia. Ainda assim, há dúvidas levantadas por vídeos do ataque.
O principal mostra dezenas de mísseis em um chamado ataque de saturação contra uma das principais bases aéreas do Estado judeu, em Nevatim, no deserto de Negev. Eles claramente atingem o solo, embora a distância da gravação não permita tirar conclusão de danos.
A base sedia a frota de 39 caças de quinta geração americanos F-35 operados por Israel. A mídia iraniana diz que até 20 dos aparelhos foram atingidos, o que não é verificável. Questionadas pela Folha, as Forças de Defesa de Israel negaram o relato, dizendo que “todas as capacidades de combate estão intactas”.
Imagens de sites de rastreamento de voo mostram também que quase toda a frota de aviões-tanque de Israel estava no ar na hora da ação, seja apoiando caças que ajudaram a abater mísseis, seja para ficar foa de suas bases. O país tem seis 707 e quatro Hércules dedicados ao trabalho.
Os militares destacaram o fato de que não houve nenhum ferido diretamente pelos mísseis no ataque em solo israelense. Foram empregados os sistemas Arrow (flecha), que atinge os projéteis a longa distância, e Domo de Ferro, de curto alcance.
A única morte registrada, capturada por um vídeo impressionante de câmera de vigilância, foi a de um palestino da Faixa de Gaza que andava em Jericó, na Cisjordânia ocupada.
A imagem mostra o estágio de propulsão de um dos mísseis iranianos, que se destaca da cabeça explosiva, caiu em cima do homem no meio da rua.
O Irã também disse ter estreado no ataque um míssil hipersônico, que por definição tem trajetória não necessariamente balística e velocidade constante acima de 5 vezes a velocidade do som (6.174 km/h).
Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, é improvável que o modelo Fattah-1 seja de fato hipersônico, e sim uma variante balística com alguma capacidade de manobra na reentrada da atmosfera.
Alegação semelhante de capacidade foi feita pelos houthis do Iêmen nesta quarta. Grupo pró-Irã disse que participou do ataque com mísseis hipersônico, citando nominalmente o alvo na base de Nevatim.
Seja como for, a ação mostrou duas coisas. Primeiro, que o Irã tem disposição para usar as melhores armas de seu arsenal, ainda que o ataque tenha sido desenhado para dar uma resposta à pressão da linha-dura do país por um posicionamento após a morte de aliados em ataques de Israel e a abertura de uma guerra mais ampla contra o Hezbollah no Líbano.
Segundo, que as defesas israelenses, com ajuda aliada, seguem eficazes. O próximo passo é o tamanho da reação de Tel Aviv. “O Irã cometeu um grande erro nesta noite, e vai pagar por ele”, disse na terça o premiê Binyamin Netanyahu.
Apesar de o alvo mais tentador para os israelenses ser o conjunto de instalações do programa nuclear do Irã, há a avaliação nos meios políticos de que isso representaria uma escalada grande demais. Um ataque à infraestrutura petrolífera e a bases militares do rival, nesse sentido, indicaria certo comedimento.
Por ora, Teerã sinalizou que poderia deixar tudo como está, reforçando a leitura de que quer evitar uma confrontação geral. “Nossa ação está concluída, exceto se o regime israelense decidir provoca mais retaliação. Nesse cenário, nossa resposta será mais forte e poderosa”, escreveu no X o chanceler Abbas Aaqchi.
O fato de a ação ter demorado dois meses desde que foi prometida também mostra o grau de cálculo por parte dos aiatolás.
Na sequência do ataque, Israel manteve sua rotina das últimas duas semanas, bombardeando posições do Hezbollah no Líbano, inclusive na capital, Beirute. Há confrontos registrados em uma vila no sul do país árabe.
Na Faixa de Gaza, de onde Hamas, aliado do Hezbollah e do Irã, lançou o ataque que disparou a atual guerra há quase um ano, os combates estão renovados. Segundo o Ministério da Saúde local, 30 pessoas que estavam abrigadas em uma escola foram mortos em um bombardeio israelense.