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Interesses de líderes autoritários tornam Miss Universo pior ainda – 25/11/2023 – Sylvia Colombo

Estima-se que mais de 300 pessoas tenham morrido sob custódia do Estado desde que El Salvador passou a prender indiscriminadamente integrantes das “maras” (gangues), além de pessoas que pareciam ligadas a eles.

Nas já famosas megaprisões, onde hoje estão encarcerados quase 3% da população salvadorenha, há torturas e pouco alimento —até menores de idade estão ali, para desespero de familiares que pedem sua libertação. A violação de direitos humanos é apontada por distintos organismos.

É certo que, segundo pesquisa CID-Gallup, 88,8% dos salvadorenhos está feliz da vida com seu líder, Nayib Bukele, por ele ter, por ora, aniquilado o poder destrutivo das “maras”.

Mas o protótipo de ditador do país centro-americano sabe que precisa contra-atacar com propaganda as críticas a seus métodos e vender a melhor imagem de seu país também para o mundo. Haverá eleições em 4 de fevereiro de 2024 e Bukele, que mudou a legislação para poder concorrer, necessita legitimar sua provável vitória.

Sua estratégia é sofisticada: promover megaeventos artísticos e esportivos, filmados e editados como se fossem peças cinematográficas que passam a imagem de um país moderno, de gente sorridente, e em que o horror do crime organizado ou das torturas ficam ofuscados.

Ocorreu com os Jogos Caribenhos, disputados em San Salvador em junho, e agora, com o concurso de Miss Universo, na mesma cidade, em 18 de novembro.

Houve um intenso protesto na capital no sábado anterior ao concurso, quando mais de 300 pessoas se reuniram diante do teatro, acusando Bukele de “maquiar” os abusos de direitos humanos desviando a atenção das pessoas do fato de o país estar em regime de emergência e de tantos presos estarem incomunicáveis e sem julgamento. Além disso, as manifestações faziam alusão ao fato de um país com mais de 30% de pobreza organizar um evento que custou mais de US$ 75 milhões.

Não é a primeira vez que um concurso de Miss Universo em El Salvador causa revolta. Em 1975, durante o governo militar de Arturo Armando Molina, estudantes se levantaram contra os excessivos gastos com uma festa daquele porte em meio a um país cuja economia estava desgastada e havia perseguição a opositores. A repressão foi brutal.

A competição deste ano não mediu luxos, nem propaganda. Houve um desfile pelas ruas do centro histórico, no qual as competidoras usaram bonés de campanha de Bukele, além de passeios a cavalo das mulheres em evento reservado, ainda que tudo mostrado à população por meio de telas gigantes espalhadas pela cidade.

É certo que o país passa por uma transformação. Em 2015, eram 103 mortos por cada 100 mil habitantes. Hoje, são, 2,2 por 100 mil. Os números são do governo salvadorenho e por isso merecem algo de desconfiança, mas é fato que a população vive melhor. A questão é qual é o custo disso.

Mas a ironia mais macabra do torneio, vencido pela Miss Nicarágua, Sheynnis Palacios, é que por um lado, todo o país comemorou. Nas ruas de Manágua, o trunfo de Palacios, 23, foi recebido com festa, e houve até elogios por parte do ditador Daniel Ortega.

Até que surgiram imagens das redes sociais mostrando Palacios defendendo os manifestantes de 2018, um episódio que causou enorme repressão, mais de 300 mortes, prisões e desestabilizou o país. De repente, Palacios virou persona non grata, e seu retorno ao país é dúvida.

Um concurso de Miss Universo em pleno século 21 já seria uma má ideia por si só. Se nele se intrometem os interesses políticos de líderes autoritários, pior ainda.


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Fonte: Folha de São Paulo

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