O MPPB (Ministério Público da Paraíba) investiga o influencer Hytalo Santos por exploração de imagem de menores. Os promotores analisam vídeos compartilhados com 17 milhões de seguidores no Instagram e 7 milhões no YouTube.
O influencer diz ao UOL, por meio de advogado, que é alvo de “falsas acusações que produzem ataques à sua honra”, que os vídeos seguem a lei e que já prestou esclarecimentos ao MPBP (veja a nota completa no fim do texto).
Os vídeos mostram o paraibano de 26 anos ao lado de adolescentes, vários menores de 18 anos, que ele chama de “Turma do Hytalo”, e de “filhos”.
Eles não são adotados formalmente por Hytalo, mas moram parte do tempo com ele.
Menores de idade aparecem vestidos com roupas curtas e dançando músicas com teor sexual nos vídeos mais clicados no canal do YouTube, que soma 1,5 bilhão de visualizações.
Também há vídeos em que Hytalo mostra adolescentes se beijando e outros em que faz perguntas como “já pulou a cerca?”, ” já pegou mais de quatro na balada?” e “já sentiu vontade de ficar com pai, mãe, primo ou tio de um amigo?”.
O ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) proíbe adultos de explorar imagens que violem a dignidade e a intimidade de crianças e que as exponham a vexame ou constrangimento.
O estatuto, em seu artigo 232, prevê detenção de seis meses a dois anos.
Em um dos vídeos, Hytalo dança com adolescentes de uniforme escolar um funk com os versos: “Safadinha demais, não presta / Atravessa a divisa pra dar a xe*eca”.
Há outras músicas cantadas e lançadas pelos próprios menores da “turma”, escritas por Hytalo, com trechos como “Tô louca, abusada / Parada, dançando pra frente e pra trás”.
Para proteger os jovens, o UOL não os identificará nesta reportagem.
Segundo a empresa de monitoramento de redes Zeeng, Hytalo Santos foi a 4º figura pública do Brasil com mais engajamento no Instagram no segundo trimestre de 2024, atrás apenas de Neymar, Vinicius Jr. e MC Ryan, com média de 1,43 milhão de reações por post.
O UOL os pais dos adolescentes, mas eles não responderam.
Investigações
O Ministério Público abriu dois procedimentos iniciais de investigação em novembro de 2024, em João Pessoa e em Bayeux, região metropolitana da capital.
O caso de Bayeux partiu de um pedido do Conselho Tutelar da cidade.
A investigação de João Pessoa não teve o denunciante identificado. Ela foi registrada como uma apuração sobre “defesa de direitos de crianças e adolescentes”.
As duas investigações têm o assunto identificado como “exploração sexual”. Eles são analisados por promotores de Infância e Juventude e correm em sigilo.
Caso o MP entenda que houve violação do ECA, pode apresentar denúncia à Justiça ou propor ao influencer um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) para interromper os vídeos com os jovens.
Os pais das crianças e adolescentes também podem ser responsabilizados, mas não aparecem até agora como investigados.
O advogado de Hytalo diz ao UOL que já reuniu com os promotores e considera ter dado todas as informações para provar que não há infração aos direitos de crianças e adolescentes.
“Hytalo tem um zelo com todos com quem compartilha o seu dia a dia e as gravações, inclusive promovendo cuidados com saúde, educação, família etc”, o advogado afirma.
Como surgiu a ‘Turma do Hytalo’?
Hytalo Santos nasceu em Cajazeiras, cidade com 62 mil habitantes no sertão da Paraíba.
Em entrevista em 2023 ao podcast PodDelas, ele disse que chegou a estudar letras e pedagogia, mas não concluiu os cursos pois queria seguir carreira de dançarino.
O influencer também contou que conheceu a primeira criança a entrar na “Turma do Hytalo” quando ela tinha nove anos, durante uma aula de dança em Cajazeiras.
Os primeiros vídeos do canal de Hytalo no YouTube são de novembro de 2020. Eles já mostram a menina, que Hytalo chama de “filha”, dançando funk ao lado do influencer.
Em 2021, ele começou a mostrar outros menores, também chamados de “filhos”.
Algumas mães aparecem em vídeos do canal, em tom amigável e grato a Hytalo pelas oportunidades e presentes. Uma delas se emociona e diz que nunca teve dinheiro para dar um iPhone ao filho.
Ele faz “pegadinhas” e “flagras” com os “filhos”. Em um dos primeiros vídeos a superar 2 milhões de views, de 2021, chamado “Selinho na Árvore”, ele filma uma menina de 13 anos beijando um garoto de 16.
Na mesma época, ele publica um vídeo com duas de suas “filhas”: “Quem é mais provável de pegar três no mesmo dia?”, ele pergunta para as crianças, então com 12 e 13 anos.
Em abril de 2022, ele faz perguntas a outra “filha” de 15 anos sobre namoro e relacionamento. O título promete que o vídeo responderá se a menina “é bi”.
Cifras aumentam
As visualizações crescem quando ele publica videoclipes de músicas com as adolescentes, com danças sensuais e letras sobre festa, brigas e namoros.
Os clipes mais vistos, de “Tô Livre”, “Combinação Perfeita” e “Cobra Miga”, passam de 30 milhões de views cada um.
O valor dos presentes que ele dá aos jovens também sobe. Após distribuir iPhones e mostrar a entrega em vídeos com milhões de plays, ele começa a dar carros, motos e milhares de reais para compras.
Os cenários ficaram mais caros. Em junho de 2023, Hytalo fez um vídeo mostrando a construção de sua nova casa com dois andares, piscina, quatro quartos, três banheiros, jacuzzi e “muito espaço” para os filhos brincarem, ele diz.
Ele afirmou ao PodDelas que a casa custou R$ 3 milhões. Em dezembro de 2023, o influencer se casou com o músico Euro e disse ao jornal Extra que a festa custou R$ 4 milhões.
Em outubro de 2024, ele publicou vários vídeos sobre a cirurgia de uma das “filhas”, de 17 anos, para colocar próteses de silicone nos seios.
No dia da cirurgia, Hytalo publicou um vídeo em que um adolescente a pede em namoro na cama do hospital. No dia seguinte, o influencer dança funk com ela, ainda de colete cirúrgico.
Anúncios de sorteios e bets
O perfil de Hytalo no Instagram tem links para uma plataforma de sorteios. Ele faz diariamente vários vídeos divulgando rifas, além de anúncios de bets.
Esse tipo de anúncio não deve ser direcionado a menores de 18 anos e deve sinalizar que as apostas só são permitidas a maiores, conforme a Lei das Bets e o código do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).
O Conar informou ao UOL que recebeu uma reclamação de um consumidor em outubro de 2024 acusando Hytalo de anunciar apostas sem sinalizar o veto a menores.
A assessoria de imprensa da entidade diz que notificou Hytalo Santos sobre as “potenciais infrações”.
O advogado de Hytalo diz que ele “não conhece de denúncia no Conar, não direciona seu conteúdo ao público infantil e há um filtro das próprias plataformas que exige a maioridade para acesso”.
Segundo estimativa da empresa HypeAuditor, o canal de Hytalo no Instagram pode render a ele até R$ 280 mil por anúncio no feed (foto permanente no perfil) e R$ 120 mil por story (vídeo que fica 24h no ar).
Nos últimos 30 dias, seus posts foram vistos mais de 23 milhões de vezes, e seu público interage mais com Hytalo do que com 93% dos influencers com tamanho similar ao dele, diz a HypeAuditor.
Discórdias com rifas
Em julho de 2024, uma seguidora processou Hytalo por estelionato. Ela diz que comprou uma rifa anunciada por ele, de R$ 1.000, com promessa de prêmio de R$ 50 mil, que nunca foi sorteado.
A Justiça do Rio procura Hytalo desde agosto para que ele apresente a defesa no caso, mas ainda não conseguiu notificá-lo.
Hytalo Santos é citado em dez denúncias no site Reclame Aqui por seguidores que dizem ter comprado cotas e que os sorteios prometidos não foram feitos.
Nenhuma reclamação foi respondida.
Ao UOL, o advogado de Hytalo diz que “a rifa é legalizada, possui toda a documentação necessária e segue rigorosa fiscalização, sempre ocorrendo e contemplando a todos os sorteados.”
Duas ‘filhas’ emancipadas
Em janeiro de 2024, Hytalo publicou um vídeo mostrando que duas das “filhas” que mais aparecem nos vídeos, de 16 e 17 anos, foram legalmente emancipadas.
Especialistas explicam ao UOL que a emancipação só tem alguns efeitos civis, como a possibilidade de o adolescente de 16 anos ou mais administrar o próprio dinheiro.
“[Ser emancipado] não anula as proteções do ECA aos menores de 18 anos. Se a pessoa está ganhando dinheiro ou benefício com este conteúdo, deve ser analisado se há exploração”, diz a advogada Alexandra Ullmann.
Alertas de especialistas
“Crianças não têm maturidade para compreender ou processar conteúdos sexualizados de forma adequada. Devem ser protegidas contra o acesso a esses materiais, que podem causar confusão, medo ou erotização precoce”, diz a psicóloga Renata Bento.
“Há uma questão do trabalho infantil, com adultos colocando crianças para trabalhar na internet. Fica muito mais grave no caso destes vídeos hipersexualizados”, afirma Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta, que combate a violência sexual contra crianças.
“A solução maior é aumentar a educação, discutir com crianças e jovens sobre sexualidade. Mas a realidade é que isso não é feito e elas veem tudo no celular”, completa Luciana.
Plataformas como YouTube e Instagram também devem ser cobradas pela veiculação de vídeos que expõem indevidamente as crianças, defende Mariana Zan, advogada do Instituto Alana, ONG focada na infância.
“As empresas também lucram com isso, e têm uma série de incentivos econômicos para estes conteúdos com exploração de imagem”, ela adverte.
O UOL procurou o Facebook e o YouTube, mas não obteve resposta.
Veja abaixo a nota completa de Hytalo sobre as investigações do MPPB:
“Hytalo não é denunciado pelo MPPB. Ocorre de internautas realizarem falsas acusações, por vezes produzindo ataques a sua honra, a fim de se promoverem com isso. E se dessas acarreta algum procedimento, esse tramita em sigilo, mas conta sempre com a postura da assessoria jurídica de Hytalo para reestabelecer a verdade e arquivá-los. Todo conteúdo que é produzido pela equipe de Hytalo Santos observa estritamente as regras e diretrizes das próprias plataformas em que são divulgados e ainda a um compliance rigoroso para evitar qualquer infração legal.”