A dois meses de entregar o cargo, o presidente da Indonésia, Joko Widodo, comemora o Dia da Independência neste sábado (17) em Nusantara, cidade em construção que ele pretende que seja a nova capital do país. Mas as obras não avançaram, e ele cortou a festa.
Os 8.000 convites foram reduzidos para 1.300 nesta semana, mandatários estrangeiros foram desconvidados de última hora. Pior, sua justificativa para a mudança, criar uma cidade-floresta, deixando para trás Jacarta, metrópole poluída e sob risco de afundar com a mudança no clima, se mostrou um pesadelo.
“Realocar a capital só cria novos problemas em Kalimantan, enquanto deixa Jacarta apodrecer”, diz o ativista ambiental Arie Rompas, referindo-se à parte indonésia da ilha de Bornéu, onde está sendo erguida a cidade. Entre os problemas, mais desmatamento.
A organização FWI (Forest Watch Indonesia) levantou que só de setembro a dezembro de 2022, após o anúncio por Jokowi, cerca de 14 mil hectares de floresta tropical foram derrubados para abrir caminho para a cidade e suas barragens.
Mais, diz Rompas, “comunidades foram despejadas, enquanto o governo estende o tapete vermelho para investidores controlarem terras por 190 anos, tática inconstitucional projetada para contornar a proibição de proprietários estrangeiros”. Mesmo assim, nenhum investidor externo apareceu, uma das maiores frustrações de Jokowi.
Às vésperas do Dia da Independência, o jornal The Jakarta Post noticiou que Nusantara agora “enfrenta crise de água”, que seria uma das razões para a redução brusca da festa. “A escassez de água se tornou um problema crítico na área de Nusantara, porque florestas danificadas não conseguem mais sustentar bacias limpas”, diz Rompas, que é ligado ao Greenpeace.
Mesmo sem considerar o impacto ambiental, a cidade não empolga. A pequena empresária Satriani Anindita até concorda que “Jacarta é louca de tão populosa, mas, sinceramente, para gente normal como eu, que não tem nenhum tipo de conexão com o governo, nós realmente não nos importamos muito com mudança de capital”.
O projeto indonésio segue uma onda que avança por Ásia e Oriente Médio neste início de século, de cidades planejadas como utopias ecológicas, para desafogar metrópoles poluídas. A próxima pode ser na Tailândia, onde o órgão nacional de meio ambiente anunciou há três meses que a mudança no clima poderia forçar a saída da capital de Bancoc, que também está afundando.
Kongjian Yu, professor da Universidade de Pequim e idealizador das chamadas cidades-esponja, com maior poder de absorção de chuva, projetou um parque seguindo seus princípios na capital tailandesa, aberto há dois anos. “Com base na minha experiência lá, acredito que é possível melhorar significativamente Bancoc ou Jacarta para torná-las mais habitáveis com o mesmo investimento de uma nova capital”, diz.
“Essa abordagem oferece mais benefício às pessoas, em comparação com a construção de uma nova cidade.” Ele acredita que, conforme a mudança climática se acelera, cada cidade deverá se adaptar, por realocação, renovação ou outras soluções. “Mas nenhuma cidade tem garantia de durar para sempre”, diz.
A realocação, especificamente, “não é uma solução sustentável”, em contraste com seu ideal de cidade-esponja, “solução baseada na natureza, que visa reduzir as emissões de carbono, resfriar áreas urbanas e mitigar o aumento do nível do mar”.
Acrescenta que, “mesmo ao estabelecer uma nova capital, aplicar princípio de esponja é essencial, para não arriscar os mesmos problemas”. Questionado antes sobre Xiong’an, cidade planejada que está sendo construída na China, preferiu não comentar.
O pesquisador Andrew Stokols passou parte dos últimos anos entre Jacarta, Bancoc e Xiong’an, para preparar sua tese de doutorado recém-aprovada no MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos. Voltou a morar em Pequim, para transformar a pesquisa em livro e para novas visitas a Xiong’an, que fica a cem quilômetros.
Ele diz compreender a urgência tanto sobre Jacarta quanto Bancoc. “A mudança do clima é um risco imenso”, diz, comentando que será mais difícil uma transferência na Tailândia. “O país é tão dominado politicamente por Bancoc e é tão administrativamente centralizado que não consigo ver como mudar a capital para longe.”
E a cidade vem se preparando, não só com as soluções esponja de Kongjian. Stokols descreve sua visita, com o governador de Bancoc, a túneis gigantescos para tirar água da cidade durante enchentes.
Sobre Xiong’an, embora estudos afirmem que Pequim também está afundando, Stokols acredita que o projeto visa mais estabelecer “simbolismo ambiental”. No final do período de Hu Jintao como líder e início de Xi Jinping, “Pequim estava crescendo demais e a poluição era tremenda, chamavam o que estava acontecendo de doença urbana”.
A nova cidade foi uma resposta. Havia rumores de que toda a administração seria transferida para lá, conta Stokols, mas não foi o que aconteceu. Pequim deu um salto de qualidade, quanto à poluição, e a urgência diminuiu. Xiong’an agora cresce mais lentamente e não está absorvendo a administração central, apenas as estatais e outras instituições que não precisam necessariamente estar na capital.
“E creio que ainda existe uma grande dúvida sobre se as pessoas não vão simplesmente vir aqui na semana e voltar para Pequim no fim de semana”, diz o pesquisador. Foi o que aconteceu na Coreia do Sul com Sejong, planejada para aliviar a congestionada Seul.
A nova capital foi proposta em 2002 e inaugurada em 2007, a transferência de órgãos governamentais começou em 2012, mas a resistência à mudança fez com que sua área seja até hoje uma das menos populosas no país. Muitos dos funcionários e administradores públicos que se mudaram para lá voltam no fim de semana para Seul, ainda a capital, a pouco mais de cem quilômetros.
A construção prossegue, programada agora para acabar em 2030 e alcançar 500 mil moradores. O quadro é parecido em Naypyidaw, Mianmar, quase vazia após duas décadas; e na Nova Capital Administrativa, no Egito, para onde se mudaram apenas 1.500 famílias, até aqui, contra a projeção de 6,5 milhões de habitantes, ao final.
Na Indonésia, o presidente Jokowi nas últimas semanas passou a destacar que o desenvolvimento de sua cidade-floresta “vai tomar 10, 15, 20 anos”.