Quem tem acompanhado a grave crise institucional que ocorre na Guatemala deve ter notado a presença, nos protestos, da população indígena. Com seus coloridos trajes de luta, membros dos 24 povos que compõem mais de 60% da população se reúnem nas grandes cidades para manifestar-se a favor do presidente eleito Bernardo Arévalo.
Desde o último dia 2, eles acampam diante do Ministério Público, em distintas praças, e participam dos bloqueios de estradas. Os protestos vêm alimentando o conflito entre Arévalo e o atual presidente do país, Alejandro Giammattei.
Eleito presidente em 20 de agosto último, Arévalo tem enfrentado dificuldades para tomar posse, prevista para 14 de janeiro de 2024. Tendo ganho a eleição como azarão, Arévalo caiu mal entre o establishment político guatemalteco, vinculado ao atual presidente.
Com uma plataforma de centro-esquerda, verde e anticorrupção, Arévalo virou um obstáculo para Giammattei, um autoritário de direita. O atual mandatário tem processos de corrupção contra ele, que aguardam o fim de seu mandato para ter sequência.
Nos últimos anos, Giammattei avançou abertamente contra as instituições, principalmente a Justiça e o Congresso. Ele esperava que um sucessor de direita, mais simpático a ele, o protegesse desses processos. Algo que não ocorreu.
O Ministério Público, que é controlado por Giammattei, é quem vem colocando entraves para impedir a posse de Arévalo, entre eles eliminando o registro de seu partido, o Semilla, sequestrando atas de votação e outras artimanhas. À frente dessas decisões está a promotora Consuelo Porras, indicada por Giammattei. Arévalo e boa parte da sociedade, incluindo os indígenas, pressionam por sua destituição.
Os indígenas apoiam Arévalo porque sua plataforma inclui tratar de seus problemas atuais. Por exemplo, a pobreza, que afeta 50% da população, sendo que, desta cifra, 80% estão concentrados nas comunidades indígenas. A má-nutrição é identificada em 58% dos indígenas, que também sofrem racismo e discriminação.
Existe também um pedido de reparação histórica por parte desses povos, muitos deles de origem maia. Durante a guerra civil que a Guatemala viveu de 1960 a 1996, em que se enfrentaram o governo e quatro grupos guerrilheiros reunidos na Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca, morreram mais de 200 mil pessoas. Segundo as Nações Unidas, 83% eram indígenas. A matança é considerada um genocídio.
Pelos abusos de direitos humanos e pelas mortes de civis, o ex-presidente Efraín Ríos Montt (1926-2018) foi condenado a 50 anos de prisão. Defensores de direitos humanos, porém, lembram que há muito mais culpados nessa história.
Os indicadores mostram que, apesar de viver em más condições, os indígenas guatemaltecos são uma população que vem crescendo. Ao tomar uma posição de defesa do mandato de Arévalo, mostram uma esperança em uma sociedade menos desigual em que possam estar incluídos.
O caso é que, até janeiro de 2024, parece haver muito tempo. Giammattei acusa Arévalo de incentivar os indígenas e outros setores da sociedade que estão ajudando no bloqueio de estradas.
O atual presidente afirma ainda que Arévalo vem recebendo ajuda de “grupos estrangeiros” para alimentar os protestos. E que, se a situação não se resolver rapidamente, deve mandar as Forças Armadas para realizar a retirada dos manifestantes.
Já Arévalo defende-se dizendo que há um golpe em câmera lenta sendo armado contra ele e pede ajuda à comunidade internacional.
Essa queda de braço vem escalando, causando temor de atos mais violentos. Apenas se espera que a conta não caia, novamente, em civis e na sofrida comunidade indígena.
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