Yusef Salaam, um dos cinco adolescentes negros e latinos condenados pelo estupro de uma corredora no Central Park em 1989 e inocentado mais de uma década depois, foi eleito na terça-feira (7) para representar o Harlem no Conselho Municipal de Nova York, equivalente à Câmara Municipal.
Salaam, que concorreu sem oposição, obteve vitória expressiva nas primárias democratas disputadas em junho, quando derrotou dois integrantes da Assembleia Estadual de Nova York. A democrata que ocupa o assento no conselho, Kristin Richardson Jordan, desistiu da corrida antes das primárias.
O eleito falou frequentemente durante a campanha sobre sua condenação, absolvição e perseguição pelo ex-presidente Donald Trump, que publicou, na época do caso, anúncios de página inteira em jornais pedindo a reintrodução da pena de morte como resposta para o crime.
“O karma é real, e temos que lembrar disso”, afirmou Salaam em uma entrevista, dizendo ser irônico que, enquanto ele foi eleito para o Conselho, Trump enfrenta acusações criminais.
O caso em que Salaam foi erroneamente acusado e condenado no final da década de 1980, momento de grandes tensões raciais no país, destacou as falhas do sistema judiciário —e foi retratado na minissérie “Olhos que Condenam”, de 2019.
As confissões de Salaam e dos outros quatro jovens condenados junto com ele foram obtidas sob coerção. Não havia evidências de material genético ligando os adolescentes —Salaam, Korey Wise, Kevin Richardson, Raymond Santana e Antron McCray— ao ataque.
Declarações racistas de Trump à época contribuição apenas para inflamar as tensões. Salaam diz que não guarda mágoas em relação ao ex-presidente, e afirma apenas espera por justiça.
“Espero que ele seja tratado da forma como não fomos”, disse Salaam. “Eles nos julgaram culpados antes de termos um julgamento justo.”
Na festa de vitória pela eleição, Salaam disse que a história de sua condenação injusta, os quase sete anos que passou na prisão, sua absolvição e seus esforços para reformar o sistema de Justiça foram o motivo pelo qual os moradores de Harlem se conectaram com ele.
Essa experiência de vida, segundo ele, “me guia, me informa e me permite ser um humilde servo do povo. Nossa participação pelo bem maior pode nos levar a ser uma comunidade que trabalha unida, se organiza unida e tem uma visão inclusiva, em vez de exclusiva”.
Salaam é um democrata moderado, ao contrário de sua antecessora, Jordan, uma democrata mais à esquerda do partido e uma das integrantes mais progressistas do Conselho Municipal. Ela adotou posições incisivas à esquerda em relação ao desenvolvimento habitacional e à Guerra da Ucrânia, mas não contava com o apoio de muitas organizações progressistas e deixou de comparecer a mais da metade de suas reuniões de comitê.
Salaam apoia a construção de um empreendimento habitacional na Rua 145, que Jordan se opôs por temer que a medida aprofundasse o processo de gentrificação do local. Ele também afirmou que não deseja reduzir o financiamento da polícia, apesar de suas experiências passadas com o sistema de Justiça.
Ele não conquistou o apoio dos progressistas locais durante as primárias, mas Cornel West, professor e ativista que concorre à Presidência, e Keith Ellison, procurador-geral progressista de Minnesota, ambos o endossaram. Ele fez frequentes aparições em veículos de mídia nacional ao longo de sua campanha.
Observadores veem sua eleição como uma faísca de esperança para o Harlem, que já foi a capital política negra de Nova York. Esse título agora pertence ao centro do Brooklyn.
O bairro está lidando com os efeitos da gentrificação, incluindo a perda de moradores negros, a proliferação de clínicas de tratamento para dependentes de drogas e a falta de moradias acessíveis.
Keith Wright, presidente do Partido Democrata de Manhattan e ex-deputado, recrutou Salaam, que morava no estado da Geórgia na época, para concorrer ao cargo em uma conversa na qual o chamou de “Nelson Mandela do Harlem”.
“Ele foi um prisioneiro político. Ele foi injustamente preso e sequestrado quando criança”, disse Wright, que teve palavras mais duras para o papel de Trump no sofrimento de Salaam.
“Yusef chamou isso de karma”, disse Wright. “Vou criar outra frase: tudo que vai, volta.”