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Harvard sacrificou sua reitora porque não poderia salvá-la – 05/01/2024 – Ross Douthat

Ao longo das semanas em que Harvard resistiu, sem sucesso, aos pedidos de renúncia de Claudine Gay, uma linha comum de defesa da reitora em apuros era que é essencial não conceder qualquer tipo de vitória, em circunstância alguma, aos críticos conservadores do ensino superior.

Por exemplo, um professor de direito de Harvard, Charles Fried, disse que poderia dar “credibilidade” às evidências de que Gay era uma plagiadora em série “se viessem de outra fonte”. Mas não, afirmou ele, quando isso está sendo apresentado como “parte desse ataque de extrema direita às instituições de elite”.

Esses ataques de direita, argumentou Issac Bailey, professor assistente de comunicações no Davidson College, não têm nada a ver com os detalhes de qualquer escândalo acadêmico específico: “Os direitistas acreditam em coisas terríveis sobre liberais e faculdades porque querem acreditar em coisas terríveis sobre liberais e faculdades; e sempre se recusarão a acreditar em qualquer outra coisa, não importa o que liberais e faculdades digam ou façam”.

Agora que Gay se foi, agora que o trabalho de ativistas e jornalistas conservadores superou a resistência institucional, vale a pena examinar mais de perto as crenças de direita sobre o ensino superior.

Os escritores e ativistas de direita realmente passaram gerações, desde Christopher Rufo nos dias atuais até William F. Buckley Jr. na década de 1950, criticando a inclinação liberal da academia. E a consistência dessa crítica poderia persuadir compreensivelmente os acadêmicos de que não importa onde eles estejam, o que ensinam ou, no que diz respeito ao plágio, o quão rigorosos são. A direita sempre estará contra eles e empenhada na destruição, não na reforma.

Mas até muito recentemente, a crítica da direita ao viés da academia coexistia com um respeito surpreendentemente forte pelas universidades americanas entre os republicanos.

Até o segundo mandato de Barack Obama –certamente não um ponto alto para o institucionalismo de direita e o respeito pela autoridade credenciada– pesquisas da Gallup mostraram uma maioria de republicanos relatando ter “muita confiança” ou “bastante confiança” no ensino superior americano.

Pesquisas do Pew Research Center no mesmo período constataram que 53% dos republicanos pensavam que faculdades e universidades tinham um efeito positivo na “direção das coisas” nos Estados Unidos, em comparação com apenas 35% que descartavam seu efeito como principalmente negativo.

No entanto, esse apoio rapidamente desmoronou. Em 2019, 59% dos republicanos disseram ao Pew que o ensino superior tinha um efeito negativo no país; em 2023, pesquisas da Gallup constataram que apenas 19% dos republicanos tinham uma opinião favorável em relação ao ensino superior.

Existem algumas maneiras de interpretar essa mudança profunda. Talvez a internet e as redes sociais tenham mudado tudo; talvez Donald Trump, Rufo e uma constelação de influenciadores de direita tenham simplesmente conseguido enganar e inflamar o público –incluindo não conservadores, já que a reputação da academia também sofreu um grande golpe entre os independentes– contra as universidades em uma escala que supera em muito qualquer coisa que Buckley, Ronald Reagan ou Rush Limbaugh tenham alcançado.

Por outro lado, a repulsa repentina dos republicanos pela universidade americana também pode ser vista como uma resposta totalmente razoável à própria transformação interna da academia nos últimos 10 anos ou mais. O fermento ideológico do Grande Despertar, a rápida expansão do complexo de diversidade-equidade-inclusão, a disseminação de juramentos de lealdade progressistas na contratação de professores, as tentativas de ativismo político e declarações por parte dos administradores universitários, além do declínio dos membros dessa espécie sempre ameaçada –o professor conservador.

A verdade é que essas explicações diferentes não são mutuamente exclusivas. A internet certamente encorajou a alienação de todas as instituições públicas; seria estranho se as universidades fossem isentas. E há claramente um processo dinâmico em que o populismo intensificado à direita encoraja um movimento à esquerda dentro da classe intelectual, e esse movimento à esquerda então dá combustível adicional aos críticos de direita da academia.

Portanto, o trumpismo e as redes sociais provavelmente têm um papel importante para a mudança de atitude republicana. Mas seria absurdo fingir que a revolução ideológica aberta e muito celebrada dentro das universidades também não desempenhou um papel em desperdiçar a simpatia que muitos americanos com inclinação conservadora sentiam pela academia –novamente, há menos de uma década, não em algum passado republicano nebuloso.

Se as universidades simplesmente aceitarem ou até mesmo incentivarem essa alienação, como escreveu Greg Conti, da Universidade de Princeton, para a revista Compact, elas completarão sua transformação de instituições nacionais em instituições “sectárias”. Como escolas sectárias, elas ainda podem ser ricas, poderosas e importantes. Mas elas serão influentes apenas dentro de “uma parcela cada vez mais voltada para si mesma de nossas classes privilegiadas”, em vez de serem respeitadas pela nação como um todo.

Observando o debate em torno da renúncia de Gay, fica claro que muitos acadêmicos prefeririam muito mais ser membros de uma instituição sectária do que de uma nacional —pelo menos se o preço de ter um status nacional envolver considerar os americanos conservadores como críticos com quem vale a pena se envolver ou mesmo como partes interessadas em suas instituições. Afinal, uma seita pode manter firmemente verdades não comprometidas e não manchadas, enquanto uma nação pode estar errada, racista ou corrupta.

No entanto, o modelo sectário não pode funcionar para universidades públicas que dependem de contribuintes conservadores e políticos conservadores para sua própria existência. Para elas, o futuro, em uma era de envelhecimento da população e queda nas matrículas, depende de negociações que atravessem a divisão política, de encontrar terreno comum, especialmente com aqueles conservadores que acreditam fortemente nas artes liberais, e de descobrir como cultivar diversidade intelectual e ideológica, apesar de sua própria inclinação liberal.

A posição de escolas como Harvard é diferente. Elas têm recursos imensos e independência política, e podem prosperar na forma descrita por Conti, como escolas que servem e dominam a meritocracia liberal, mesmo que a América conservadora as despreze e seus doadores republicanos restantes se afastem.

Para as universidades da Ivy League e suas imitadoras, o grande perigo é uma fratura dentro da meritocracia liberal. Nesse cenário, uma parte importante da classe alta credenciada se aliena tanto do progressismo contemporâneo, da diversidade, equidade e inclusão e de todas as suas obras, que deixa de considerar as famosas escolas como o destino natural para seus filhos ou o local natural para suas generosas doações.

É para evitar esse futuro potencial, não para recompensar a investigação dos conservadores, que Harvard presumivelmente decidiu sacrificar sua reitora plagiadora. A Ivy League acredita em suas doutrinas progressistas, mas não tanto quanto acredita em sua própria indispensabilidade, em seu papel permanente como incubadora de privilégios e influência. E os críticos de Harvard provavelmente podem forçar mais mudanças quanto mais esse poder de séculos parecer estar em risco.

Fonte: Folha de São Paulo

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