Uma gangue que disputa o controle de parte de Porto Príncipe, a capital do Haiti, matou ao menos sete pessoas após abrir fogo contra uma manifestação organizada por um líder religioso neste sábado (26). A informação foi confirmada por diversos grupos de direitos humanos.
“Esse tiroteio é sintomático da incapacidade do Estado de proteger seus cidadãos”, disse Gédéon Jean, diretor-executivo do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos, um grupo haitiano independente que presta consultoria para a ONU. Segundo o especialista, o número de mortos ainda pode crescer, uma vez que havia grande concentração de pessoas no protesto e algumas delas portavam facões.
As mortes refletem o aumento da violência no Haiti após o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021, que criou um vácuo de poder na já instável nação caribenha. Desde então, as gangues —cujas táticas incluem assassinatos aleatórios, estupros e sequestros— tomaram conta de grande parte da capital. Em resposta, os cidadãos organizaram movimentos de autodefesa que desencadearam uma onda de execuções de suspeitos de integrar gangues.
O tiroteio ocorreu em Canaan, uma comunidade de posseiros na periferia de Porto Príncipe formada por sobreviventes do devastador terremoto de 2010, em resposta a um ato contra uma gangue local organizado pelo pastor Marco, líder da igreja evangélica Tanque de Betesda —o nome completo do religioso seria Marcorel Zidor.
Segundo Marie Yolène Gilles, diretora do grupo de direitos humanos Open Eyes Foundation, o pastor é conhecido por uma retórica violenta e apelativa. “Os fiéis acreditaram no que ele estava dizendo e saíram às ruas com facões e paus”, disse ela.
Um porta-voz da Polícia Nacional do Haiti não respondeu a um pedido de comentário sobre o episódio.
Diante do colapso da segurança em Porto Príncipe, a embaixada dos Estados Unidos na capital ordenou recentemente que funcionários do governo que não atuam em situações emergenciais deixem o país. Grupos de auxílio locais apoiados pelo Comitê Internacional de Resgate também creditaram à violência a suspensão temporária de suas operações no país.
Em uma tentativa de amenizar a crise, o governo do Quênia disse estar preparado para liderar uma força multinacional para manter a ordem no Haiti que incluiria mil policiais quenianos. As Bahamas também se comprometeram a enviar 150 equipes de segurança para apoiar o esforço. Os Estados Unidos, por sua vez, disseram neste mês que apresentariam ao Conselho de Segurança da ONU uma resolução para autorizar a intervenção do Quênia.
Ainda assim, surgiram dúvidas sobre a proposta —intervenções estrangeiras no país são um assunto delicado desde a descoberta de que o surto de cólera que matou cerca de 10 mil haitianos em 2010 foi levada para o país por tropas de paz da ONU.
Outras preocupações envolvem violações dos direitos humanos por parte das missões de manutenção da paz quenianas na África e suspeitas de que a força se limitaria a proteger a infraestrutura essencial do governo, como aeroportos e estradas principais.
Um relatório sobre a crise de segurança do Haiti publicado pela ONU recentemente forneceu detalhes sombrios sobre a dimensão do problema, depois que supostos membros de gangues assassinaram a tiros em um vereador de Porto Príncipe, sua esposa e seu filho no bairro de Decayette, em 14 de agosto.
A ação aparentemente foi uma retaliação ao apoio do político a um grupo de moradores criado para enfrentar as gangues, disse Ravina Shamdasani, porta-voz do escritório de direitos humanos da ONU em Genebra. Segundo ela, poucas horas antes de ele ser atacado, cinco homens e duas mulheres de uma mesma família foram queimados vivos quando sua casa foi incendiada por membros de gangues.
Shamdasani acrescentou que mais de 350 pessoas foram mortas pela população local e por grupos de vigilantes desde abril, incluindo 310 suspeitos de pertencerem a gangues, 46 membros do público e um policial. Cerca de 5.000 pessoas fugiram somente este mês de áreas da capital dominadas por organizações criminosas.