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Guru do vice de Trump defende governo isolado e religioso – 17/07/2024 – Mundo

A ascensão do senador republicano J.D. Vance ao posto de herdeiro presumido de Donald Trump, que o escolheu para vice na chapa que disputará a eleição presidencial americana, coloca em evidência um arcabouço ideológico no qual desponta como estrela Patrick Deneen.

O cientista político da Universidade de Notre Dame (South Bend, EUA) é um dos gurus conservadores mais associados a Vance. São amigos pessoais, no ano passado participaram de um evento em Washington no qual Deneen foi louvado pelo político, e o acadêmico chamou a escolha do senador de “fantástica” no X.

Pensador católico, Deneen não é um terraplanista qualquer, da estirpe à qual o mundo se acostumou a ver em torno de líderes populistas surgidos na esteira do trumpismo, como o húngaro Viktor Orbán ou o brasileiro Jair Bolsonaro (PL).

Ele emergiu como referência do campo conservador em 2018, quando lançou “Por que o liberalismo fracassou”, livro no qual destilava contradições intrínsecas ao sistema ideológico dominante no Ocidente, sobre o qual os EUA foram fundados em 1776.

Foi considerado uma das obras obrigatórias daquele ano por Barack Obama pelas provocações intelectuais e pelo diagnóstico sobre os motivos da desilusão da classe trabalhadora americana que viu seus empregos e seus valores se esvaírem —um motivo para Trump ter chegado ao poder em 2017.

O ex-presidente democrata, antecessor do republicano, ressaltou não concordar com as conclusões de Deneen. De modo geral, o cientista político pede uma volta ostensiva a um sistema tradicional calcado na religião e o isolamento em comunidades, o chamado localismo, em oposição ao que vê como balbúrdia infértil da globalização.

Tal receituário era temperado por tiradas machistas bem ao gosto dos populistas, sugerindo que a inserção feminina no mercado de trabalho foi prejudicial às mulheres, que estavam melhor no lar. Já a crítica às pautas identitárias pode ser vista como presciente, dadas as discussões em ambientes acadêmicos americanos.

Seja como for, Deneen caiu no gosto de figuras como Marco Rubio, figurão do Partido Republicano, e não só: em 2019, o escritor foi convidado pelo premiê húngaro Viktor Orbán, o prócer da dita “democracia iliberal” na Europa, para lhe explicar suas ideias.

Este é um outro ponto importante de contato com Vance e Trump: o agora vice na chapa republicana é um admirador aberto de Orbán, particularmente da forma com que o húngaro tomou para si o controle do ensino superior em seu país, item zero das ditas guerras culturais.

Quiseram os deuses da política que Orbán, sempre próximo de Trump, estivesse neste semestre à frente da presidência rotativa da União Europeia, para enorme desagrado de seus pares, que desautorizam sua tentativa de mostrar-se um mediador para o fim da Guerra da Ucrânia.

O húngaro, assim como o rival de Joe Biden, tem simpatias não disfarçadas por Vladimir Putin, uma espécie de ícone dos populistas dos anos 2010, embora a realidade política russa e a trajetória do presidente sejam uma história à parte.

Desde que assumiu o posto temporário, Orbán esteve com Volodimir Zelenski, Putin, o chinês Xi Jinping e Trump. Concluiu que só o republicano poderá promover a paz na Europa, algo que os aliados de Kiev veem como acomodação análoga à promovida por Londres e Paris com Adolf Hitler antes da Segunda Guerra Mundial.

Alguns críticos apontaram que o trabalho de Deneen, lançado no Brasil pela Editora Âyiné em 2020, era frágil na prescrição de suas receitas. Ele tentou responder no ano passado como outro livro, “Mudança de Regime”, no qual apresentou uma lista convencional de medidas para impor sua revolução conservadora.

Entre ideias bastante aceitas, como abrir a caixa-preta de grandes empresas, sugeriu coisas há muito abandonadas como panaceia, como a volta do serviço militar e civil obrigatório. Na essência, sugeriu que não era preciso implodir o sistema, e sim substituir a elite por gente como ele e outros conservadores.

Sugeriu a validade de métodos de Nicolau Maquiavel (1469-1527) de uso da turba, mas rejeitou em entrevista o site Politico a invasão do Capitólio em 2021. Novamente, há a pregação pela cristalização de uma classe dominante conservadora e religiosa, e a promoção de valores espirituais, que encontram eco na onda populista renovada na Europa.

De quebra, é um discurso que se encaixa ao momento da campanha de Trump, na qual o atentado do sábado passado (13) o cobriu com uma aura de mártir político entre seus apoiadores. Pesquisa entre eleitores republicanos feita pela Reuters/Ipsos mostra que 65% deles atribuem sua sobrevivência a uma intervenção divina.

O livro falou para convertidos, sendo visto por alguns observadores como simplista. Já outros, como Zack Beauchamp, apontaram para o que veem como uma crença real de tomada de poder.

Por óbvio, é preciso ter cautela com a hipótese de que tais ideias estarão necessariamente na ordem prática do dia de um governo Trump-Vance. Populistas do mundo todo são ávidos em se livrar em alguma medida de seus supostos gurus uma vez no poder, como Steve Bannon viu no início do governo Trump e o falecido Olavo de Carvalho, ao longo dos anos Bolsonaro.

Isso dito, o ideário de Deneen conversa com outros roteiros à disposição dos republicanos, como o Projeto 2025, bancado pela conservadora Fundação Heritage.

Como Vance já provou ao longo de sua curta carreira, na qual também foi celebrado como um observador da decadência americana e foi de crítico a vice de Trump, tal instrumental pode ser bem útil quando se escolhe pedaços dele ao sabor da conveniência política.

Fonte: Folha de São Paulo

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