O assassinato de pelo menos 1.400 pessoas em Israel por integrantes do Hamas e o sequestro de mais de cem reféns repercutiram em todo o mundo, principalmente na Europa Central e Oriental, com as suas fortes ligações judaicas e memórias do Holocausto.
Lá, a captura de um homem causou angústia e tristeza profundas.
Alex Danzig, um estudioso e historiador do Holocausto de 75 anos, passou os últimos 30 trabalhando para o Yad Vashem, o centro de memória do Holocausto em Israel, educando judeus e poloneses sobre o que aconteceu nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial.
Ele mora em Nir Oz, um kibutz no sul de Israel, perto de Gaza, e a família dele não o vê desde o dia 7 de outubro, quando ocorreu o ataque do Hamas.
Há uma ironia amarga aqui. Embora Alex tenha nascido na Polônia depois da guerra —em 1948, mesmo ano da criação do Estado de Israel— a irmã mais velha dele, Edith, é uma sobrevivente do Holocausto.
Nascida em 1941 sob ocupação alemã no que hoje é a Ucrânia ocidental, os pais dela encontraram um local para se refugiar junto com uma mãe e uma filha polonesas, Maria e Halina Assanowicz, que a salvaram dos nazistas.
Esse ato humanitário também permitiu que os pais de Edith tivessem mais liberdade de circulação, apesar da ocupação e da perseguição aos judeus. Mais tarde, eles mesmos reconheceram que deviam as vidas deles aos Assanowicz. A dupla foi reconhecida pelo Yad Vashem como Justos entre as Nações em 1982, a mais alta honraria que Israel pode conceder aos salvadores não-judeus dos judeus no Holocausto.
Portanto, não seria exagero dizer que Alex Danzig também devia a existência dele a essas pessoas.
A infância de Alex não foi notável. Ele passou seus primeiros nove anos na Polônia e, depois que os pais dele migraram para Israel, em 1957, passou um tempo no exército, lutando em diversas guerras, depois começou a participar de uma organização juvenil de esquerda, formou-se em história e constituiu família no kibutz.
Foi o retorno dele à Polônia numa viagem em 1986, e uma visita a Auschwitz —um campo de extermínio criado quando o país foi ocupado pelos nazistas— que alimentou o interesse dele pelo Holocausto e, em particular, pela complexidade da história das relações judaico-polaca. Ele passou as décadas seguintes liderando excursões aos campos de extermínio e educando estudantes israelenses e poloneses.
Em entrevista à BBC, a amiga íntima dele e ex-colega Orit Margilot —que trabalhou com ele no setor polonês do Yad Vashem— descreve-o como “a pessoa mais experiente que conheço”.
Ela o descreve como um grande comunicador, que sabe falar com os jovens e pode quebrar barreiras —por exemplo, usando como referência os times de futebol favoritos das pessoas. Ela diz que o impacto dele foi enorme.
“Ele sabe como abrir os corações para este tema [relações polaco-judaicas]. Não é realmente fácil. Funcionou tão bem [na Polônia] que todos se tornaram amigos dele.”
“Ele tem milhares de estudantes que o adoram e amam”, disse seu filho Mati à BBC. “Ele é um professor excepcional. Sempre que assistia a uma palestra dele, ficava fascinado.”
Mas, além de seu trabalho intelectual, ele também adora trabalhar na terra e alterna entre dar palestras e sua casa no kibutz. Foi lá que ele desapareceu quando ocorreu o ataque do Hamas.
‘Sorte de Deus’
Mati, que também mora em Nir Oz, mas sobreviveu ao ataque com a família, está atualmente em relativa segurança no resort de Eilat, no Mar Vermelho, com outros sobreviventes. Ele descreveu o que ocorreu naquele dia.
Ele disse que recebeu um alerta às 6h30 do horário local, mas pensou ser um ataque de foguete, o que não é incomum naquela região de Israel.
O pai dele foi o primeiro que disse para verificar as mensagens em um bate-papo do kibutz, no qual as pessoas trocavam mensagens sobre o que realmente estava acontecendo —que homens armados haviam entrado na região.
No início, Mati pensou que os membros do Hamas estavam apenas saqueando as casas das pessoas, mas logo começaram a aparecer mensagens de que pessoas haviam sido baleadas e ficou claro que eles estavam matando ou sequestrando quem pudessem.
Mati e sua família passaram oito horas com medo de serem os próximos. Naquele momento, ele imaginou o pior.
“Olhei para as minhas três filhas e disse que era a última vez que as olhava e é uma pena que estes animais tirem a vida a crianças inocentes”, lembra. Mas os atiradores nunca foram atrás deles.
“Fomos uma das poucas casas, talvez três ou quatro, onde eles não conseguiram entrar, algum tipo de sorte de Deus”.
A mãe de Mati, longe de Alex, mas vivendo em Nir Oz, também sobreviveu, diz ele, segurando corajosamente a porta contra os agressores. Dois dos irmãos de Mati e seus filhos também escaparam.
Alex Danzig não teve tanta sorte. “Meu irmão Yuval falou com ele por volta das 8h30 e essa foi a última vez que fizemos contato com ele”, diz Mati.
“Temos certeza de que ele foi sequestrado, não havia dúvida sobre isso —junto com outras 80 pessoas do Kibutz— não havia nenhuma evidência deles em lugar nenhum.”
Ele diz que todos temem pela segurança de Alex. Ele não foi visto em nenhuma das fotos ou vídeos divulgados pelo Hamas desde os sequestros.
O historiador sofreu um grave ataque cardíaco e foi submetido a uma cirurgia há alguns anos e precisa de medicação, que não está com ele.
“Cada minuto que passa é perigoso para ele”, diz Mati.
‘Não havia ego’
O desaparecimento dele desencadeou uma campanha pela sua libertação, tanto em Israel como na Polônia.
A campanha #StandwithAlex tenta pressionar o governo polonês para pedir a libertação dele.
“Ajude-nos a ajudá-lo. Nós o queremos de volta”, diz um comunicado na página da campanha no Facebook.
“Queremos que ele volte em segurança e que todos os inocentes cruelmente capturados pelo Hamas voltem para casa em segurança.”
Margilot falou de sua “amizade real e verdadeira” com Alex, um homem um ano mais velho que a mãe dele.
“Nunca houve qualquer ego. De certa forma, nós completamos um ao outro”, disse ela, acrescentando que ele sempre foi atencioso com ela como um judeu praticante, por exemplo, certificando-se de que ela tivesse comida kosher em viagens ao exterior.
Margilot está atualmente dedicada a obter a certidão de nascimento dela nos arquivos de Varsóvia. A intenção dela é confirmar por escrito sua cidadania polonesa.
Ela foi revogada em 1957 por conta de um detalhe técnico quando emigrou, embora tenha recebido recentemente prêmios do governo polonês concedidos apenas a cidadãos do país.
Margilot acredita que um documento de cidadania pode ser a chave para a libertação dela. “Às vezes, se você tem cidadania estrangeira, isso ajuda o Hamas”, diz ela.
Mati diz que ele e o pai sempre foram “muito próximos”, embora, por muitos anos, estivessem fisicamente distantes.
Nascido no kibutz, Mati voltou para a família quando a filha mais velha dele tinha 3 anos. Desde então, eles têm visto Alex pelo menos três vezes por semana. O filho dele disse que, no dia anterior ao ataque, eles o visitam para um jantar em família. “Foi muito lindo, o ambiente estava muito agradável”, disse ele.
“E então o céu caiu.”
Este texto foi publicado originalmente aqui.