A reação militar de Israel ao massacre terrorista do Hamas, em 7 de outubro, reacendeu a discussão sobre o limite entre liberdade de expressão e discurso de ódio nos Estados Unidos.
É um debate completamente distorcido pelo poder de contágio de postagens na era digital, especialmente agora que o novo dono do X escancarou seu sabido namoro com a supremacia branca. Na última semana, um só tuíte antissemita de Elon Musk gerou dezenas de bilhões de dólares de prejuízo à Tesla, a empresa que o tornou o homem mais rico do mundo.
A mistura tóxica que elimina nuances e favorece ignorância na rede social tem destacado um efeito evidente de plataformas como Facebook, Instagram e X: incentivar a censura à expressão. E nenhuma área confirma essa consequência como a indústria de entretenimento americana.
Era previsível que Hollywood, um século depois de ter sido construída por imigrantes judeus do leste da Europa, voltasse a ser alvo do velho tropo sobre judeus controlarem a indústria de entretenimento.
Aqui, um lembrete: apesar de constituírem apenas 2% da população americana, judeus, sim, têm uma vasta representação nas artes, uma realidade criada pelo antissemitismo que os excluía de profissões “respeitáveis” ao emigrar para os EUA.
Mas a guerra Israel-Hamas está gerando um nível de hostilidade e retaliações que deve ser visto no contexto do poder viral das redes. Nesta semana, a reportagem de capa da revista New York sobre como a guerra destrói amizades e carreiras nesta cidade entrevista um ator de origem árabe e um produtor de TV judeu que só concordaram em falar protegidos pelo anonimato.
O produtor conta que evita se engajar em qualquer conversa sobre a guerra e foge de abaixo-assinados. O ator disse que passou a evitar usar palavras como “ocupação” e “colonialismo” e faz referência à velha lista vermelha de suspeitos de simpatizar com o comunismo, do período do macarthismo, sugerindo que já perdeu papéis nas últimas semanas por ter expressado simpatia pelos palestinos.
É fato que o conflito no Oriente Médio fez reemergir o preconceito latente contra judeus ou muçulmanos que é especialmente surpreendente quando manifestado por minorias neste país como negros e hispânicos. Mas o tipo de discurso impulsivo e odioso online, expressado por gente que pensaria duas vezes antes de dizer o mesmo no local de trabalho, é somado ao exército de militantes de poltrona formado pela rede social.
O venerando ator e dramaturgo Steve Martin não poderia hoje repetir a piada que fez para uma audiência planetária quando apresentou a cerimônia do Oscar, em 2010. “Em ‘Bastardos Inglórios‘, Christoph Waltz vive um nazista obcecado por encontrar judeus. Bem, Christoph…” disse Martin abrindo os braços para mostrar a plateia, indicando que ela continha uma grande quantidade de judeus. O público gargalhou em unanimidade, mas a patrulha da poltrona teria pedido o cancelamento imediato de Martin.
O racha sobre a guerra expõe também o limite de cobrar postura política complexa de celebridades. Hollywood e o resto da comunidade artística são geralmente unidos no apoio ao Black Lives Matter, ao movimento #MeToo, ao direito ao aborto e no horror a Donald Trump. Mas o temor de um linchamento digital que leve à perda de trabalho e outras represálias está sendo enfrentado com autocensura justamente entre a maioria que não apoia extremismo e aceita a complexidade de conflitos.
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