A Geórgia deve eleger neste sábado (14) Mikheil Kavelashvili como seu próximo presidente. O ponto alto de seu currículo é ter sido jogador de futebol, com passagem pelo Manchester City, nos anos 1990, quando o hoje poderoso clube inglês era apenas o outro time de Manchester e caiu para a terceira divisão. De lá para cá, Kavelashvili se credenciou na política local com frases homofóbicas, palavrões e acenos à Rússia.
O Parlamento do país deve confirmar seu nome sem grande discussão na última sessão do ano. A escolha encerra um pleito eleitoral recheado de denúncias e violência. Observadores de organismos internacionais, da União Europeia e da sociedade civil georgiana atestaram fraude, manipulação e constrangimento nas eleições, realizadas no fim de outubro.
A atual presidente do país, Salome Zourabichvili, foi à Justiça, pediu o cancelamento do pleito e estimulou uma onda de manifestações e desobediência civil.
Defensora da aproximação da Geórgia com a União Europeia, Zourabichvili galvanizou ainda partidos de oposição para deslegitimar o Parlamento, dominado antes e depois do pleito pelo Sonho Georgiano, sigla pró-Rússia de tendências autoritárias. A resposta foi violenta.
Desde que o primeiro-ministro Irakli Kobakhidze afirmou que abandonaria as negociações de adesão com o bloco europeu, manifestações diárias são organizadas nas ruas da capital, Tbilisi. Segundo as forças de segurança, 460 prisões foram realizadas, 300 pessoas ficaram feridas e 80 foram hospitalizadas. A oposição afirma que os números estão longe da realidade.
Depoimentos colhidos pelo canal France Info nesta semana denunciam a violência policial e uma operação aparentemente casada com milicianos mascarados, chamados de titouchkis. Fazem ataques pontuais a manifestantes e jornalistas e somem, sem que a polícia os impeça. Vídeo publicado em redes sociais mostra a leniência de agentes de segurança enquanto um repórter é espancado por um grupo deles.
Kobakhidze afirma que a presidente está histérica e “incendeia o país”. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, declarou na última semana que a Rússia não interfere nos países vizinhos e que os protestos tentavam “emular uma nova Maidan”. Uma referência à resistência popular em praça pública que derrubou o então governo pró-Rússia na Ucrânia, em 2013.
A Geórgia é uma das frentes mais evidentes dos ataques híbridos patrocinados por Moscou neste ano, segundo analistas. A União Europeia e a Otan, a aliança militar ocidental, lançaram alertas sobre o assunto nas últimas semanas. Além da interferência em eleições alheias, como na Geórgia, há relatos e suspeitas de sabotagem, incêndios criminosos, ciberataques e outros.
A preferência da Rússia para ataques desse tipo teria explicação não apenas estratégica, mas também financeira. São obviamente mais baratos do que um conflito convencional.
A presidente Zourabichvili cobrou uma atuação mais firme das autoridades do continente. A Geórgia cumpria etapas de adesão à União Europeia, mas viu as negociações serem suspensas no primeiro semestre depois que o Parlamento aprovou legislação de inspiração russa para coibir ONGs e meios de comunicação de receber financiamento externo.
As eleições de outubro acabaram sendo traduzidas como uma escolha entre Bruxelas e Moscou. Em comunicado nesta semana, o bloco expressou preocupação com os rumos do país e pediu garantia aos direitos e à segurança dos manifestantes.
Em um dia de muitas tarefas nesta sexta-feira (13), quando apontou seu novo primeiro-ministro, François Bayrou, o presidente francês Emmanuel Macron encontrou tempo para enviar um comunicado em vídeo à Geórgia. “Pertencer à Europa não é sobre chantagem, é sobre aceitar regras como um modo de resolver diferenças”, afirmou.
O esforço diplomático de Macron é explicado pelo fato de Zourabichvili ter nascido na França, filha de imigrantes georgianos. Nos anos 2000, diplomata, abdicou da cidadania francesa para se envolver com a política do país.
Macron, porém, tem igualmente boa interlocução com Bidzina Ivanishvili, fundador do Sonho Georgiano e mentor da guinada autoritária da sigla e do país na última década. O oligarca já morou na França, onde tem diversas propriedades, e recebeu um telefonema do presidente francês nesta semana. O teor da conversa não foi divulgado.