A guerra disparada pelo ataque terrorista do grupo palestino Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023 abriu uma caixa de Pandora geopolítica com alto preço em sangue, sendo a principal responsável pela alta de 37% no número de mortes em conflitos no mundo.
É o que aponta a edição anual da Pesquisa de Conflitos Armados do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), um dos centros de referência global no assunto, divulgada nesta quinta-feira (12).
“O mundo está experimentando um número sem precedentes de conflitos, que parecem cada vez mais intratáveis devido ao maior envolvimento de atores domésticos e externos, um complexo conjunto de fatores subjacentes e tensões geopolíticas em alta”, diz o texto.
O período analisado pelo instituto vai de 1º julho de 2023 a 30 de junho de 2024. Nele, o conflito entre Israel e o Hamas surge como o mais mortífero do mundo, com 41.318 das 192.776 mortes no planeta. Antes, ele não figurava nem no top 10 do ranking.
Superou assim a Guerra da Ucrânia, com 37.014 mortes, mas aí vale a ressalva de que se trata apenas de mortos registrados do lado de Kiev. Moscou não divulga as maciças baixas de sua invasão, iniciada em 2022, que análise de dados públicos coloca em 70 mil. Mesmo os números ucranianos tendem a estar subestimados.
O desempenho macabro de 315% a mais de mortes no cômputo Oriente Médio e Norte da África, totalizando 52.164 mortos, nem inclui a campanha de Israel que desmantelou o Hezbollah libanês ou a ofensiva surpresa que derrubou a ditadura de Bashar al-Assad no domingo passado (8).
O expressivo aumento de 28% nas mortes na África subsaariana manteve a região como a campeã nominal no número de mortos: 62.631. Nada menos que 14 dos 49 países de lá vivem em conflito, mas aqui vale a ressalva populacional.
Nas nações subsaarianas afetadas, a média de mortes devido a conflitos no período ficou em 8,2 por 100 mil habitantes. Só em Gaza, aí contando toda a guerra até aqui, são astronômicas 2.133 vítimas por 100 mil moradores da exígua faixa de terra.
Estatísticas são altamente imprecisas neste campo, e mesmo o IISS usa bases variáveis que geram algumas divergências de ano a ano. O que de fato importa é a tendência, que já havia sido apontada em 2023: o mundo segue vivendo uma de suas eras mais violentas, e isso está piorando.
Desde a Segunda Guerra Mundial, só houve dois momentos tão graves em termos de vítimas: a Guerra da Coreia, que viu 550 mil mortos de 1950 a 1952, e o genocídio dos tutsis em Ruanda, que registrou 800 mil mortos em um único ano, 1994.
O estudo, publicado desde 2015, dissecou embates em 37 países a partir de um agregador que inclui peso geopolítico e impacto humanitário, entre outros fatores. Segundo o monitor do Programa de Dados de Conflito da Universidade de Uppsala (Suécia), com série histórica desde 1975, havia 176 conflitos ativos no mundo em 2023, ante 189 no ano anterior —mas com o recorde de guerras entre Estados, 59.
De resto, o IISS aponta o “estado desolador” da violência no mundo. Novamente, ressalta o crescimento e a internacionalização do crime organizado e de entidades não estatais armadas como um dos grandes problemas, ao lado da volta da competição ente Estados.
Aqui o Brasil melhorou sua posição. Na contabilidade do instituto, que nesse quesito segue o estipulado pelo Acled (Projeto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos, uma ONG americana), o país caiu de sexto para o décimo lugar no ranking de mortes violentas decorrentes de conflitos —no caso brasileiro, as disputas do tráfico e milícias.
Foram 6.640 vítimas na tabela do IISS. Obviamente devido à metodologia, uma cifra bem menor que a dos cerca de 50 mil homicídios apontados em estudos como o Atlas da Violência em períodos anuais.
Mas o problema está diagnosticado, como a ligação entre o PCC e traficantes da Colômbia, a crise vivida pelo Equador no começo deste ano ou a questão migratória na região de Darién, para ficar em exemplos latino-americanos.
Seja como for, as Américas marcaram a maior queda entres as regiões estudadas, com 9% a menos de mortes no período, ante 3% de recuo na Ásia e estabilidade positiva de 2% na Europa/Eurásia.
Segundo estimativa da Cruz Vermelha citada pelo Pesquisa de Conflitos Armados, há no mundo todo 455 grupos armados subnacionais com influência sobre nada menos que 210 milhões de pessoas em territórios com controle contestado.
E não só de opressão vivem essas pessoas. Segundo o estudo, 80% dessas organizações ocupam o lugar do Estado, provendo assistência básica. Nas Américas, são 84 grupos, o segundo maior contingente do mundo depois daquele da África subsaariana, de 284.
O IISS aponta que apenas 15% dos estimados US$ 48 bilhões (R$ 285 bilhões hoje) que organismos internacionais consideram necessários para apoiar 185 milhões de pessoas no período do estudo haviam sido levantados até abril deste ano.