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Gaza: brasileira da Cruz Vermelha relata rotina da guerra – 12/12/2024 – Mundo

Lydiane Bruno, 30, já viveu dois grandes conflitos. Começou na Ucrânia, em 2022, em uma missão humanitária. Foi dali para a Faixa de Gaza, onde trabalhou em meio a bombardeios. Nascida em Brasília, cresceu no Maranhão, estudou psicologia e, ainda na graduação, foi para o CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha). É gestora de recursos humanos em situações de guerra.

Em depoimento à Folha concedido pouco antes de deixar o território palestino, no fim de novembro, ela compara suas experiências na Ucrânia e em Gaza. Em Kiev, diz, estava distante da linha de frente. No território palestino, tudo era linha de frente. Sua casa tremia sob os bombardeios.

“Nada me preparou para as coisas de que fui testemunha”, afirma, citando a falta de água potável e de esgoto, além da comida racionada. “Guardei muitos choros. Saindo daqui, vou chorar por um mês.”

Entrei no Comitê Internacional da Cruz Vermelha em 2017, quando estudava psicologia na universidade. Aprendi inglês e espanhol e, em 2022, tive minha primeira experiência internacional: fui para a Ucrânia.

Trabalhei com recrutamento de funcionários em situações de crise. Em 2023, voltei a Kiev como vice-gerente de RH. Meu papel era voltado para dentro —no sentido de apoiar as operações e as pessoas do CICV.

Em Kiev, testemunhei ataques de mísseis e as invasões do espaço aéreo, que acionavam os alarmes, uma coisa muito constante. Às vezes escutávamos algumas explosões próximas, víamos a fumaça.

Viajei pelo país para visitar os nossos escritórios. Aí, sim, fui mais exposta ao conflito. Tive que antecipar o fim da missão na Ucrânia e comecei como gestora de RH em Gaza em abril de 2024.

Nosso principal objetivo é mitigar o sofrimento das pessoas que são vítimas de conflito armado. Vim para gerir. A gente dá suporte para que os departamentos de operação consigam fazer seu trabalho lá na ponta.

Temos mais de 284 empregados palestinos. Lamentavelmente, todos eles foram deslocados pelo conflito. Foram deslocados três, quatro, cinco, seis vezes ou mais. Perderam as suas casas e vivem nos campos.

Nada me preparou para as coisas de que fui testemunha. É diferente da Ucrânia, porque lá havia uma linha de frente de certa forma distante. Aqui vivemos na linha de frente. Você sente o conflito, é muito presente.

As explosões são constantes e dormimos pouco. Quando há um ataque aéreo, a casa onde eu moro balança. Acontece todos os dias. Quando estamos no campo com os funcionários, às vezes passam balas perdidas.

Você acaba naturalizando, no sentido de conseguir lidar com a situação. Não é que você pense que é normal. Só não pensa muito sobre isso.

Não comento com a minha família todas as coisas pelas quais passei. Ficariam muito assustados. Entrei em um mecanismo de enfrentamento. Analiso todos os riscos, mas não entro em pânico. Sou muito calma.

Nunca senti medo, para ser honesta. Exceto uma vez. Um disparo de canhão atingiu o muro do nosso escritório. Os funcionários começaram a me ligar e me perguntar para onde ir. Senti o peso da responsabilidade.

Quando você me pergunta da dor dos outros, quero chorar. Guardei muitos choros aqui. Assim que eu sair, vou precisar chorar por um mês. É devastador. Não tenho outra palavra para descrever o que sinto hoje.

Já vi muitas coisas. As pessoas vivem em tendas, sem saneamento, sem comida. O inverno está chegando. É um sentimento maior do que eu, dói na alma… Mesmo fazendo o meu melhor, nunca me senti tão inútil.

As coisas mais simples aqui são muito complicadas. Tive uma infância supersimples, no Maranhão. Mas água nunca foi um problema. Aqui, as pessoas lutam por uma água que nem é potável. Isso me quebra demais.

Saindo daqui, vou ter três meses de férias. Eu preciso desse tempo para entender qual foi o impacto. Saí com feridas e cicatrizes dentro de mim.

Fonte: Folha de São Paulo

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