O governo da Argentina se opôs, na primeira reunião de negociação para a cúpula do G20, a trechos da declaração final sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres.
A atitude dos argentinos, que em parte foram seguidos por alguns países árabes, além de Rússia e China, é mais uma demonstração da guinada ideológica promovida pelo ultraliberal Javier Milei.
O viés conservador da diplomacia de Buenos Aires se aprofundou desde que Milei demitiu a ex-chanceler Diana Mondino e nomeou no seu lugar Gerardo Werthein, que era embaixador do país em Washington. O líder argentino se sente empoderado pela vitória nos Estados Unidos de Donald Trump, de quem é um admirador.
Negociadores do grupo que reúne as principais economias desenvolvidas e emergentes do globo se encontraram nesta terça-feira (12) no Rio de Janeiro para começar a negociar um documento final que possa ser chancelado pelos chefes de Estado e de governo, que se reunirão na cidade a partir da próxima segunda (18).
A atitude do governo Milei preocupa o Itamaraty, que teme instruções diretas da Casa Rosada para apresentar objeções em outros assuntos em discussão, como desenvolvimento sustentável e clima. Esses temas devem ser tratados nos próximos dias.
Em última instância, Milei poderia se negar a endossar o documento final dos líderes do G20, o que seria um golpe para a presidência brasileira.
Isso deixaria o líder argentino isolado no fórum e prejudicaria ainda mais as relações com o Brasil, importante parceiro econômico para Buenos Aires.
Mas Milei já deu demonstrações de que não se importa em ficar isolado na arena internacional. Recentemente, o país liderado por ele foi o único a votar contra a um resolução na ONU sobre o direito dos povos indígenas.
Em outra demonstração da guinada ideológica de Milei, a Argentina e a Arábia Saudita são os únicos integrantes do G20 que ainda não aderiram formalmente à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, a principal bandeira de Lula no no grupo.
O documento que precisa ser endossado para aderir à iniciativa traz referências aos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU, o que é apontado como o motivo da resistência do governo Milei —que tem uma retórica antiglobalista.
Os argentinos protagonizaram um dos reveses da presidência do Brasil no G20. Em outubro, a delegação de Buenos Aires se recusou a endossar um texto negociado por ministros justamente sobre igualdade de gênero. Foi uma das poucas reuniões de ministros que terminaram sem uma redação aceita por todos os países representados.
A declaração de outubro reconhecia que mulheres e meninas enfrentam barreiras particulares relacionadas a gênero. Também defendia que os países enfrentassem o problema da distribuição desigual do trabalho doméstico e trabalhassem para garantir acesso igualitário ao trabalho decente, empregos de qualidade e paridade de gênero como uma meta para posições de liderança.
“Nós reconhecemos que desigualdades de gênero persistem apesar dos compromissos de países com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, dizia o documento.
Nesta terça, o governo Lula apresentou aos sherpas estrangeiros (termo diplomático para se referir aos negociadores) um texto que, em linhas gerais, reproduzia o que os ministros haviam negociado em outubro.
Durante as conversas, o representante da Argentina destacou que seu país não havia concordado com a redação publicada em outubro, e que havia ali algumas expressões que eram vistas como linhas vermelhas por seu governo.
As objeções de outros países, como Rússia e China, foram contornadas sob o argumento de que esses países já tinham aceito os termos propostos em outubro.
Diante da resistência argentina, o governo Lula deve fazer ajustes nos parágrafos para tentar vencer as objeções.