A Fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde da Alemanha e responsável pelo Prêmio Hannah Arendt para o Pensamento Político, cancelou nesta quarta-feira (13) a cerimônia de entrega da homenagem a Masha Gessen, jornalista de nacionalidade russo-americana e ascendência judaica. A informação foi revelada inicialmente pelo jornal alemão Die Zeit.
A fundação citou como motivo um artigo publicado por Gessen na revista The New Yorker. O texto traz uma comparação entre a situação atual na Faixa de Gaza e guetos nazistas nos quais judeus foram forçados a viver e, mais tarde, deportados ou exterminados durante o Holocausto.
Gessen escreveu que o uso do termo “gueto” teria sido criticado por comparar a situação da população em Gaza à dos judeus em seu período histórico mais sombrio. Em sua visão, porém, “gueto” seria a expressão mais adequada para descrever o que está acontecendo no território palestino. “O gueto está sendo liquidado”, disse.
Sobre o trecho, a Fundação Heinrich Böll disse que Gessen “insinua que Israel tem o objetivo de liquidar Gaza como um gueto nazista”.
“Essa frase não é um convite para uma discussão aberta e não ajuda a entender o conflito no Oriente Médio. É uma frase inaceitável e nós a rejeitamos”.
De acordo com a fundação, uma das instituições culturais mais importantes da Alemanha, Gessen ainda deve receber o prêmio, mas sem a participação da Fundação ou da Câmara Municipal de Bremen, onde a homenagem estava marcada para acontecer nesta sexta (15). Não está claro como isso deve acontecer ou se Gessen aceitará participar.
O texto de Gessen na New Yorker é uma análise da cultura da memória do Holocausto na Alemanha e argumenta que o entendimento alemão de que a morte de seis milhões de judeus foi um evento singular na história da humanidade, sem conexão com atrocidades que vieram antes ou depois, dificulta a compreensão do que acontece em Israel e na Faixa de Gaza hoje.
Desde o ataque terrorista do Hamas no dia 7 de outubro e o início dos bombardeios israelenses, mais de 18,5 mil palestinos morreram em Gaza e na Cisjordânia, segundo dados das autoridades de saúde locais, ligadas ao Hamas e à Autoridade Nacional Palestina (ANP).
Antes do cancelamento do prêmio, a fundação e a Câmara Municipal de Bremen sofreram pressão de entidades civis do país, como a Sociedade Alemã-Israelense (DIG, na sigla em alemão). A entidade disse que premiar Gessen “iria de encontro à necessidade de se contrapor ao crescente antissemitismo” e que seu pensamento “é contrário ao de Hannah Arendt”.
A filósofa e escritora alemã que dá nome ao prêmio é famosa pela sua análise do Holocausto e de ideologias totalitárias. Ela é a autora de clássicos como “Eichmann em Jerusalém”, no qual cunhou o conceito da banalidade do mal. Intelectuais alemães e americanos criticaram o cancelamento do prêmio, relembrando que a própria Arendt foi crítica do Estado de Israel.
Gessen, que cresceu na antiga União Soviética e mora nos Estados Unidos, é responsável por livros como “O Homem Sem Rosto: a Improvável Ascensão de Vladimir Putin”, publicado no Brasil pela Editora Intrínseca.
A Fundação Heinrich Böll é ligada ao Partido Verde, uma das três siglas que compõem o governo alemão. O vice-premiê e membro do partido, Robert Habeck, causou polêmica recentemente ao pedir que cidadãos muçulmanos do país europeu “se distanciem de forma absolutamente clara” do antissemitismo.
Ao anunciar o prêmio, a organização havia descrito Gessen como “um espírito crítico e pessoa com um grande amor pela liberdade e pela resistência contra tendências autoritárias”. Gessen já se envolveu em polêmicas anteriormente, como quando deixou o conselho de uma ONG depois que a instituição aderiu a um boicote de escritores russos.