O novo primeiro-ministro da França, Michel Barnier, alertou que consertar as finanças públicas degradadas do país exigirá um “esforço coletivo” de anos, ao anunciar aumentos de impostos “temporários e direcionados” para as grandes empresas e os ricos.
“A espada de Dâmocles acima de nossas cabeças são nossas dívidas colossais”, disse Barnier à Assembleia Nacional em um discurso na terça-feira (1º) em que expôs sua agenda de governo. “Se não agirmos, nosso país estará à beira do precipício”, disse, acrescentando que os custos anuais com juros logo ofuscariam os gastos com educação e defesa.
A decisão de Barnier de propor na próxima semana um orçamento que incluirá aumentos de impostos é uma grande ruptura com as políticas econômicas adotadas pelo presidente Emmanuel Macron, cujos governos reduziram os impostos desde 2017 em um esforço para impulsionar o crescimento e a competitividade.
Também é um sinal de quanto o cenário político mudou desde as eleições legislativas antecipadas, que levaram Macron a perder o controle sobre a Assembleia e inaugurar um estranho governo de compartilhamento de poder com Barnier e o partido conservador Os Republicanos.
Barnier enfrenta a difícil tarefa de limpar as finanças públicas em um momento em que os partidos de oposição em um Parlamento suspenso já estão ameaçando derrubar seu governo. A Reunião Nacional (RN), da ultradireitista Marine Le Pen, que quase dobrou seus assentos na eleição antecipada, surgiu como um partido fundamental, pois seu apoio provavelmente seria necessário para que um voto de desconfiança fosse aprovado.
Sem maioria, Barnier terá dificuldades para aprovar reformas estruturais, e alguns partidos até querem desfazer as anteriores, como a que aumentou a idade de aposentadoria, aprovada por Macron no ano passado. Alguns centristas na coalizão do presidente que apoiam o governo do primeiro-ministro criticaram a reviravolta nos aumentos de impostos.
“Confrontados com nossos imensos desafios, não temos escolha: nossa responsabilidade é aliviar o fardo da dívida e encontrar margens de manobra novamente no orçamento”, disse Barnier enquanto os parlamentares da oposição gritavam durante seu discurso.
A França adiará para 2029 sua meta de cortar seu déficit público para 3% da produção, em vez de 2027 —uma mudança que terá que negociar com Bruxelas, que já colocou a segunda maior economia da UE no que é chamado de procedimento de déficit excessivo.
Mujtaba Rahman, da consultoria Eurasia Group, diz que Barnier está tentando transformar a crise fiscal em sua vantagem “pintando a situação como muito pior” em um esforço para forçar os parlamentares a agirem de forma responsável no orçamento.
“Barnier está tentando estabelecer suas credenciais como uma nova força independente na política francesa culpando Macron e seus sucessivos governos desde 2017 por levar a França a tal impasse fiscal”, afirma.
Autoridades do Ministério das Finanças disseram anteriormente que seriam necessários de € 25 bilhões a € 30 bilhões (R$ 150 a 180 bilhões) em cortes de gastos e aumentos de impostos no ano que vem, embora Barnier não tenha especificado os valores. Mas ele disse que um terço do esforço viria de novos impostos, enquanto o restante viria de cortes de gastos em áreas como educação e saúde.
“O primeiro remédio para a dívida são os cortes de gastos públicos”, disse Barnier. “Reduzir gastos significa abrir mão do dinheiro mágico, da ilusão de que tudo é de graça e da tentação de subsidiar tudo.”
A França ultrapassou em muito suas metas este ano, com o déficit previsto para atingir cerca de 6% do PIB, muito acima da meta de 5,1% e do nível de 5,5% de 2023. Barnier estabeleceu uma meta para o déficit atingir 5% do PIB até o final de 2025.
Os investidores estão preocupados com a capacidade do governo de cobrir os déficits. Os custos dos empréstimos franceses aumentaram recentemente para níveis semelhantes aos da Espanha e da Grécia pela primeira vez em décadas. A S&P Global rebaixou a França em maio, enquanto mais três revisões de agências de classificação são esperadas.
Le Pen disse que a RN não proporia uma moção de censura imediatamente o governo, mas ela estabeleceu “linhas vermelhas” que poderiam mudar sua posição. Ela também exigiu ação em suas prioridades, como canalizar receitas de aumentos de impostos sobre os ricos para ajudar pessoas de baixa renda e coibir a imigração.
“Este espírito de abertura não deve ser interpretado como um cheque em branco nem uma forma de lealdade a um governo que consideramos ser baseado mais em conveniência do que convicção”, disse ela.