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Famílias de soldados desaparecidos protestam na Ucrânia – 31/10/2023 – Mundo

Centenas de mulheres da Ucrânia envoltas em bandeiras, carregando faixas e balões, cantaram nas ruas localizadas nas imediações do gabinete do presidente Volodimir Zelenski na semana passada. Bloqueadas por policiais e sacos de areia, elas o chamaram pelo nome. “Zelenski! Zelenski! Zelenski! Zelenski!”

De vez em quando, um discurso irritado cortava o barulho. “Onde está meu irmão?” gritou uma mulher. “Traga-os de volta para casa!”, afirmou uma adolescente chorando.

Protestos contra as condições que os soldados enfrentam nas frentes de batalha e o número de mortos e desaparecidos em meio à guerra é um fenômeno comum na Rússia desde que ela invadiu a Ucrânia, no ano passado. Mas o ato da semana passada foi um raro gesto de famílias ucranianas desesperadas por notícias de soldados desaparecidos ao longo de mais de 20 meses de combate.

Petro Iatsenko, porta-voz do Quartel-General de Coordenação do Governo para Prisioneiros de Guerra, disse que o órgão estava trabalhando para fornecer informações às famílias, mas que não havia conseguido confirmar se os desaparecidos estão mortos ou foram capturados. Ele acrescentou que a Rússia não estava colaborando nesse sentido.

“Entendemos que as pessoas precisam expressar sua frustração”, disse ele em uma entrevista por telefone na última quarta-feira (25). “O principal problema é que a Rússia não fornece informações completas, inclusive sobre civis que está mantendo ilegalmente.”

O Ministério da Defesa da Rússia não respondeu a um pedido de comentário.

Mesmo com cemitérios lotados em toda a Ucrânia, há poucas críticas explícitas à extensão de mortes ou à forma como o governo conduz a guerra. A atmosfera no país, em que o trabalho voluntário se tornou generalizado, tem sido de união veemente no apoio a Zelenski e às Forças Armadas.

Mas a dor e as perdas estão se acumulando.

O número de ucranianos desaparecidos na guerra chega a 26 mil. Segundo declaração do Ministério do Interior neste mês, faltam notícias sobre 11 mil civis e 15 mil soldados em combate. Parentes de militares desaparecidos estão cada vez mais frustrados com a falta de respostas do governo.

Na manifestação de 16 de outubro, algumas famílias disseram que estavam procurando há mais de um ano por notícias de parentes. Elas viajaram para a capital de todas as partes da Ucrânia —das Montanhas dos Cárpatos, a oeste, às cidades na linha de frente do combate, a leste.

Muitos seguravam cartazes e fotografias de soldados desaparecidos, revelando sua dor com a mão trêmula ou a voz instável enquanto enxugavam as lágrimas.

Um casal segurava uma faixa que dizia: “Temos orgulho dos heróis da 81ª Brigada. Queremos encontrá-los e trazê-los para casa.” Eles disseram que seu filho, Vadim Safroniuk, 27, desapareceu em agosto no leste da Ucrânia.

“Ouvimos falar dele pela última vez quando ele assumiu sua posição, em 1º de agosto”, disse o pai de Vadim, Serhi Stepanets. “Em 7 de agosto, nos disseram que ele desapareceu em combate, após um ataque de morteiro.”

Ansiosas para compartilhar suas histórias, outras pessoas se reuniram em torno de uma equipe do jornal americano New York Times e pediram aos jornalistas para anotar também os nomes de seus familiares. Todos estavam em busca de notícias sobre homens da 81ª Brigada, que haviam desaparecido em sucessivas operações de ataque em Bilohorivka.

As batalhas por Bilohorivka e outras áreas na frente leste raramente viraram manchete. Além disso, o governo restringe a publicação de detalhes sobre baixas militares, não só para evitar compartilhar essas informações com a Rússia, mas também para manter o moral doméstico alto.

Por esses e outros motivos, disseram as famílias, descobrir o que aconteceu com os soldados tem se mostrado quase impossível.

Liudmila Martchenko disse que seu filho Andri, 37, alistou-se no ano passado e passou um mês treinando no Reino Unido —experiência de que ele gostou, visto as selfies que mandava para casa. Mas, dez dias depois de retornar à Ucrânia, foi enviado para a linha de frente. Ele desapareceu na primeira batalha. “Ele é meu único filho”, disse Martchenko em voz baixa. “É muito difícil.”

Muitas famílias se agarram à esperança de que seus filhos e maridos desaparecidos ainda estejam vivos, tendo sido capturados pelas forças russas e agora mantidos por eles como prisioneiros de guerra. Então escrevem cartas, visitam gabinetes e cospem em frascos para fornecer amostras de DNA. Vasculham também a internet em busca de notícias e fotos, às vezes caindo em armações de golpistas russos.

De acordo com organizações de direitos humanos, cerca de 10 mil ucranianos estão sendo mantidos como prisioneiros de guerra pela Rússia, mas seus nomes são desconhecidos. Moscou se recusou a fornecer registros completos dos detidos. Mas, para a frustração de muitas famílias, Kiev também se recusou a divulgar os nomes daqueles que confirmou estarem detidos na Rússia enquanto tenta negociar trocas de prisioneiros.

Segundo Iatsenko, o governo não pode publicar dados pessoais por motivos de privacidade, e a Rússia está entrando em contato com as famílias e incentivando-as a protestar contra o governo na tentativa de desestabilizar a sociedade ucraniana.

Os familiares que estavam se manifestando, porém, apoiavam as Forças Armadas —ao mesmo tempo em que deixavam claro que queriam respostas.

Um pequeno grupo carregava uma bandeira vermelha e preta do Batalhão Aidar, uma unidade de combate pouco conhecida que tem estado na linha de frente na luta contra a Rússia e as forças separatistas pró-russas desde 2014.

Moscou cita Aidar como um dos grupos de direita, extremistas e nacionalistas que justificaram o fato de ela invadir a Ucrânia. Mas o vice-comandante do batalhão, que usava o codinome Hook, afirmou que a animosidade da Rússia em relação ao grupo provavelmente tem origem no fato de que ele é formado por homens locais das províncias do leste que se opunham ao domínio russo. “Aidar é uma pedra no sapato deles”, disse.

As mulheres com a bandeira do grupo afirmaram que até cem homens do batalhão estão desaparecidos. As informações sobre o destino deles têm sido escassas, embora 18 membros do Aidar, incluindo duas enfermeiras, tenham sido flagrados em um tribunal russo em julho.

Pálidos e magros, com as cabeças raspadas, eles foram vistos através do vidro de uma cela. Foram acusados de fazer parte de uma organização terrorista, o que acarreta uma pena de 16 anos de prisão.

O julgamento foi condenado por grupos de direitos humanos, considerado uma violação das convenções internacionais sobre o tratamento de prisioneiros de guerra. Para amigos e familiares, vê-los representou um momento agridoce: sentiram alívio porque eles estavam vivos, mas ao mesmo tempo, dor em razão de suas condições.

“Eles pareciam péssimos”, disse Liuba, 27, uma médica de combate condecorada que é amiga e colega próxima das duas mulheres prisioneiras. “Dava para ver claramente que eles tinham sido torturados. Estavam muito magros. Tinham perdido muito peso.” Sua amiga, Marina, uma enfermeira de 26 anos, agora parecia ter 40, disse ela. Seguindo o protocolo militar, Liuba deu apenas seu primeiro nome. Outros deram apenas seus codinomes.

Entrevistada perto da linha de frente na região de Donetsk recentemente, Liuba e outros membros do Aidar concordaram com a conversa apenas se pudessem falar sobre seus colegas.

Tchitchen, 26, comandante de uma unidade de artilharia que, como Hook, pediu para ser identificado apenas por seu codinome, disse que seu melhor amigo, Ihor Gaiokha, 35, estava entre os prisioneiros. O batalhão achava que Gaiokha, que também é seu codinome, tinha sido morto em uma emboscada em março do ano passado antes de aparecer em imagens de vídeo sendo interrogado em canais de mídia social russos.

Sua mãe, Nataliia, que estava entre os presentes no comício em Kiev, disse no entanto que ainda não recebeu nenhuma confirmação oficial da Rússia ou da Ucrânia de que ele está detido.

Fonte: Folha de São Paulo

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