Beijo: demonstração de afeto, efusividade, conexão entre duas (ou mais) pessoas. Também aplicável a si mesmo/a/is (ex: beijinho no ombro). Gesto (esperemos, não?) realizado de mútuo acordo.
—Ei, mas eu não gostei, não!
Declarações oficiais à parte, este foi o comentário viralizado da meio-campista madrilenha Jenni Hermoso, depois de aparecer nas manchetes de todos os jornais espanhóis no último domingo (20).
Tudo por conta do beijo que Luis Rubiales, presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), tascou em sua boca durante as comemorações em campo após a vitória da Espanha no Mundial de futebol feminino.
Beijo televisionado, efusivo e inesperado — pra não dizer indesejado —, que surpreendeu a jogadora, levou Rubiales a pedir desculpas publicamente e alimentou a fúria da opinião pública espanhola, incluindo personalidades e políticos, muitos dos quais agora mesmo pedem a demissão do presidente e punições cabíveis.
Como a Ministra da Igualdade, Irene Montero, que tuitou: “Não vamos assumir que beijar sem consentimento é algo que “acontece”. É uma forma de violência sexual que as mulheres sofrem diariamente e até agora invisível, e que não podemos normalizar. É tarefa de toda a sociedade. Consentimento no centro. Só um sim é sim“.
A vice-presidenta Yolanda Diaz foi a público no próprio domingo (21) pedir a demissão de Rubiales, “o homem que assediou e agrediu uma mulher”, falando em nome de seu partido, Sumar: ” Suas desculpas não servem em absoluto”.
O premiê Pedro Sánchez também condenou a atitude do presidente da RFEF: “as jogadoras fizeram de tudo para vencer… mas houve alguns comportamentos, como os do senhor Rubiales, que demonstram que em nosso país ainda há um longo caminho a trilhar em termos de igualdade e respeito, e na equiparação de direitos entre mulheres e homens”.
Até o principal partido de oposição, o PP, expressou sua reprovação, classificando o gesto de Rubiales de “constrangedor”.
No vídeo que correu a internet (ver mais abaixo), a própria jogadora faz o comentário citado acima em conversa com suas colegas no vestiário após a vitória. Não, não gostou.
Uma voz (masculina) quer saber mais e pergunta:
— E língua, teve língua?
Jenni, com um sorriso algo sem graça, aquiesce com a cabeça quando o outro provoca: “um pouco, sí”.
Depois, no mesmo vídeo (editado), Rubiales aparece no vestiário abraçando Jenni, que brinca: “nos vamos de boda (vamos nos casar)”.
Quando o presidente anuncia que as jogadoras ganharam uma viagem para Ibiza (segundo o jornal El País, viagem que havia sido prometida), seguem-se gritos de alegria. E outra vez ouve-se uma voz masculina:
— E, ali, celebraremos o casamento (boda) de Jenni e Luis Rubiales!
Depois do incidente público, Rubiales, como era esperado, pediu desculpas. Hermoso, como não nos surpreende, calou-se.
“O que você está esperando para denunciar #Rubialesdimision“?, pergunta um internauta a Jenni em um comentário a um post da jogadora em Instagram comemorando a vitória.
A hashtag pedindo a demissão de Rubiales está em toda parte. A discussão está em toda parte. Rubiales chamou de “idiotas e estúpidos” os críticos do beijo. “É uma coisa sem maldade”. Em entrevista para a Cadena COPE, desconversou:
“Vamos ignorar os idiotas e os estúpidos. É um pico (beijo) de dois amigos comemorando algo… seguramente me equivoquei, foi um momento de máxima efusividade sem nenhuma má intenção”.
Até agora, as desculpas foram todas nesse estilo. Nada parecido com uma real retratação ou uma percepção mais sensível da gravidade da situação.
No vídeo gravado no vestiário logo após a final, o desconforto de Jenni é nítido. Ela pergunta: “Eh, pero no me ha gustado… ¿Y qué hago yo? (“o que faço”, “o que posso fazer?“)”.
Em entrevista à La Sexta, o professor de Direito Constitucional da Universidade de Sevilha, Javier Pérez-Royo, analisa que o gesto de Rubiales é definitivamente um “delito de agressão sexual por falta de consentimento”, e comenta que “o Ministério Fiscal deveria ter atuado imediatamente”.
O especialista enfatiza, além do mais, que na diligência sobre o caso deve ser levada em conta a posição de subordinação de Jenni em relação a Rubiales.
Depois do episódio, a camisa 10 supostamente declarou à Agência EFE que “foi um gesto mútuo totalmente espontâneo pela imensa alegria de vencer uma Copa do Mundo. O presidente e eu temos uma ótima relação, o comportamento dele com todos nós tem sido excepcional e foi um gesto natural de carinho e gratidão… Não dá para passar por cima de um gesto de amizade e gratidão, ganhamos um Mundial e não vamos nos desviar do que é importante”.
Desde então, rumores até o momento não confirmados vêm circulando em parte da imprensa espanhola.
O primeiro: Jenni jamais teria dito as palavras acima — elas teriam sido redigidas pela assessoria de imprensa da RFEF. E, segundo o jornal de esportes Relevo, Jenni teria se recusado a aparecer ao lado de Rubiales em um vídeo oficial de desculpas.
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Sim, deveríamos nos beijar mais.
Uma amiga me envia uma palestra de uma psiquiatra madrilenha arretada que pondera: nossa cultura da individualidade e super conectividade está nos afundando em cortisol, estresse, solidão.
Em não poucos casos, diz, a verdade é que não precisamos necessariamente de mais “pastillas” (pílulas); precisamos, de todas as formas, de propósitos, respeito, mais abraços, mais carinho, mais contato humano — e mais beijos, por supuesto. Mas desejados, esperados e consentidos. CON-SEN-TI-DOS.
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Post scriptum (adendo/atualização):
Dada a gravidade da polêmica gerada com o gesto de seu presidente, a RFEF convocou uma reunião extraordinária para o próximo dia 25 de agosto.
Sumar, partido da vice-presidenta Yolanda Diaz, registrou nesta segunda-feira (22) uma denúncia junto ao Conselho Superior de Esportes (CSD, da sigla em espanhol) e reiterou o pedido de que Rubiales seja afastado do cargo. Também solicitou que se aplique o “protocolo de atuação para casos de violência sexual”, segundo suas redes.
Em coletiva de imprensa nesta terça-feira (23), o premiê Pedro Sánchez chamou o beijo de “um gesto inaceitável” e frisou que as desculpas apresentadas pelo presidente da RFEF “não são suficientes; inclusive, não são adequadas”.
“Portanto, deve seguir dando passos para esclarecer o que vimos (pelos) meios de comunicação”.
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