Em 20 de janeiro de 1974, a maior aposta da história da fabricante aeronáutica americana General Dynamics ia para a pista da base aérea de Edwards, na Califórnia. O protótipo YF-16, que disputava com o YF-17 da Northrop a vaga de novo caça leve dos Estados Unidos, faria um teste de aceleração em solo.
Em poucos segundos, o piloto Phil Oestricher sentiu que algo estava errado. O avião saiu um pouco do solo, e começou a balançar violentamente para os lados, chegando a tocar a pista. Ele decidiu acelerar.
“Infelizmente, tivemos um problema na fiação e o bocal de escape do motor não se abriu, reduzindo a potência”, contou ele em 2013, dois anos antes de morrer. O avião parecia condenado, e se sofresse um acidente provavelmente perderia a competição iniciada em 1969. Oestricher dobrou a aposta e acelerou mais, levando o avião ao céu.
Foi assim, num parto acidental, que o caça hoje conhecido como F-16 fez sua estreia há 50 anos, celebrados neste sábado (20) —o voo oficial ocorreria 15 dias depois. O que nem Oestricher poderia prever após os seis minutos no ar era que aquele modelo seria não só vencedor da competição da Força Aérea em 1976, mas o avião de combate mais popular do mundo meio século depois.
No quase acidente estiveram presentes a eficácia do avião mesmo sendo monomotor, tabu numa época em que falhas eram esperadas e os caças costumavam ter dois motores, e a suavidade do manejo “fly-by-wire”, por comandos elétricos. Era uma inovação, hoje presente em quase qualquer avião. “Eu mal toquei nos controles” depois de levantar voo, disse Oestricher.
E a disputa interna foi dura: o bimotor YF-17 era tão eficaz que virou depois o F-18 da Marinha americana, caça duas gerações depois segue sendo cavalo de batalha dos porta-aviões dos EUA mundo afora.
Por popular entenda-se disseminado e relevante. O caça a jato mais fabricado da história é o soviético MiG-15, com 18 mil unidades, mas é um de primeira geração, que tinha muito em comum com a fabricação em massa vigente da Segunda Guerra Mundial.
O F-16 tem pouco mais de 4.600 aeronaves produzidas, 3.100 delas ainda em uso em 25 países diferentes. Essa liderança equivale a 15% dos aviões do tipo em uso no mundo. Tem três gerações distintas, cada uma dividida em até cinco tipos, sete variantes para outros países, “upgrades”, modelos derivados no Japão, Taiwan e Coreia do Sul.
Com tanques conformais ao longo da fuselagem e uma miríade de mudanças, as versões mais recentes não lembram as elegantes linhas que cativaram gerações de aficionados por aviação —sobrevive a “bolha” sobre a cabine, permitindo ampla visão ao piloto. Estima-se em cerca de 20 o número perdido em combates.
Ao que importa, ele ainda vende, a um custo que varia de acordo com o que o cliente quer, mas que tem ficado na casa dos R$ 350 milhões a unidade. Há 135 encomendas de seis países de variações em torno da geração E/F, que voou pela primeira vez em 2015.
O fornecimento do caça, considerado de fácil manejo e flexibilidade operacional, é o objeto de desejo da Ucrânia para tentar reverter a vantagem aérea das forças invasoras da Rússia. Holanda e Dinamarca prometeram fornecer seus antigos F-16 A/B para Kiev, e o treinamento de pilotos está em curso.
Mesmo sendo quase obsoletos, foram suficientes para merecer comentários do próprio Vladimir Putin.
O F-16 foi também um sucesso industrial e político, sendo o primeiro caça multinacional americano, com produção inicial conjunta com os belgas, holandeses, noruegueses e dinamarqueses, e duas fábricas na Europa. Seus primeiros clientes, em 1979, foram Bélgica, Holanda e Israel.
Sob ordens de Tel Aviv, o F-16 teve seu primeiro abate confirmado, o de um helicóptero Mil Mi-8 russo a serviço a Síria em 1981. Naquele ano, ele também seria o centro do ousado ataque à central nuclear de Osirak, no Iraque, pondo fim à pretensão do então ditador Saddam Hussein de ter a bomba atômica.
O modelo veria ação com vários clientes, particularmente a Turquia, e em todas as guerras americanas dali em diante. Versatilidade é seu forte: carrega de singelos mísseis ar-ar AIM-9X de curto alcance a bombas nucleares táticas B61.
O avião chegou a participar da concorrência para o novo caça da Força Aérea Brasileira, nos anos 2000, mas o processo foi cancelado e ao fim, em 2013, escolheu o Saab Gripen sueco.
Em 1993, a General Dynamics vendeu sua linha para a Lockheed (hoje Lockheed Martin), que fabrica o caça e desenvolve o caça até hoje. A empresa o vende como o “mais avançado caça de quarta geração” na sua versão atual, que leva também o codinome F-16V, de Viper.
É uma homenagem. Apesar do nome oficial do avião ser Fighting Falcon (falcão lutador), os pilotos o batizaram de Viper (víbora) pela semelhança com a cobra e com o modelo espacial de mesmo nome do seriado Battlestar Galactica, popular em 1979.
A definição é arbitrária, mas quarta geração diz respeito a aviões sem capacidade furtiva ao radar, de alta fusão de dados e de voo supersônico sem necessidade de pós-combustores no motor. Tudo isso está na quinta geração associada ao F-35, que a Lockheed vê como o substituto do F-16.
Com mil aviões construídos, o F-35 começou a voar em 2015 e segue a linha do antecessor. Mas é visto mais como um produto de dominação comercial, com países da Otan [clube militar liderado pelos EUA] sendo compelidos a comprar, do que um caça provado.
Novamente, foi Israel que o empregou pela primeira vez em ação, contra um drone iraniano em 2022. Mas o F-35, com histórico de motores pouco confiáveis e outros problemas, não tirou os holofotes de seu irmão mais velho. Com as novas versões, a Lockheed prevê que os F-16 estejam nos céus até ao menos 2060.