O jornalista Tim Alberta é um dos mais respeitados repórteres políticos americanos. Ele se destaca da maioria dos colegas por se revelar um cristão devoto. Alberta cresceu dentro de uma igreja evangélica presbiteriana fundada no estado de Michigan por seu pai, um pastor que só se converteu ao cristianismo depois de anos de sucesso no mercado financeiro de Nova York.
“Cresceu” aqui não é modo de falar —ele brincava na igreja onde sua mãe era funcionária, ajudava na limpeza e até trazia potenciais namoradas para ouvir os sermões eloquentes do pai.
Em 2019, o reverendo Richard Alberta teve morte súbita quando o jornalista estava em turnê promocional de um livro sobre a degradação do Partido Republicano sob a Presidência de Donald Trump. Tim voltou para Michigan a tempo de participar do velório. Mas membros da igreja, alguns que o conheciam desde menino, não ofereceram condolências. Acusaram o repórter de ser um traidor, num bate-boca político a metros do caixão aberto do reverendo. A hostilidade continuou depois do funeral, e um membro idoso da igreja escreveu a Tim dizendo que ele só teria salvação se passasse a defender Trump.
A experiência inspirou o jornalista confrontar algo que evitava quando seu pai ainda vivia: a degradação moral de evangélicos apoiadores de Trump, um homem devasso e cruel, um agressor sexual que não conseguiria citar uma passagem bíblica de memória mesmo se sua vida dependesse disso.
O resultado é o elogiado “The Kingdom, the Power and the Glory” (o reino, o poder e a glória), um livro em que o autor não renega a formação religiosa. Pelo contrário: ele quer abrir os olhos de cristãos para a politização perversa da religião, denunciando “falsos profetas” que, em nome de Jesus, perseguem imigrantes, abandonam os pobres, abusam de mulheres e minorias e endossam a corrupção.
Entre os 17 pré-candidatos a presidente, em 2016, o vigarista imoral nova-iorquino era abertamente rejeitado por evangélicos. Mas, como explica a jornalista Anne Nelson à Folha, um pacto faustiano foi selado pouco antes da convenção que confirmou a candidatura Trump naquele ano com apoio maciço dos evangélicos brancos.
Os americanos que se identificam como evangélicos são hoje um quarto da população, e quase 70% deles dizem que vão votar em Trump se ele for o candidato republicano em 2024.
O autor explica esta esquizofrenia cognitiva comparando o líder de fato do Partido Republicano a um mercenário disposto a violar todas as convenções de guerra para proteger uma minoria que vê a própria existência em risco.
A diversidade étnica e religiosa, os direitos reprodutivos das mulheres, o casamento gay e o declínio da religiosidade cristã são fatores vistos por líderes evangélicos como desculpa para violar um princípio constitucional na origem da República: a separação entre igreja e Estado. Tim Alberta diz que hoje é preciso examinar a evolução da política e da religião nos EUA como paralelas e que, quando evangélicos acumulam muita influência política, uma franja de ultradireita, que ele vê como minoria, assume o poder.
Nesta semana, o jornalista revelou que sua caixa de emails anda abarrotada de mensagens de evangélicos anônimos que concordam com o que ele escreveu. Mas eles se confessam intimidados demais para denunciar os anticristos trumpistas embriagados pelo poder.
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