Em tempos de recordes de temperaturas, a tendência deste verão europeu são os ventiladores portáteis. Em versões discretas para colocar em torno do pescoço ou em cores chamativas nos modelos de mão, os aparelhinhos se tornaram onipresentes em várias cidades.
Durante as Olimpíadas de Paris, em julho, os dispositivos foram a escolha de vários torcedores para ajudar a suportar as altas temperaturas durante as competições, muitas vezes em áreas sem cobertura e sob o sol escaldante.
Na Itália, os ventiladores pessoais se tornaram queridinhos dos turistas e já são vendidos em frente às principais atrações, como o Coliseu, conquistando espaço entre ímãs, miniaturas e outros souvenires tradicionais.
Nas principais lojas de variedades na Europa, há unidades com armários inteiros dedicados aos diferentes modelos de ventiladores portáteis, cujos preços costumam variar de 13 euros (R$ 79) a 30 euros (R$ 182). Versões que fazem menos ruído e com maior autonomia normalmente são as mais caras.
Em vendedores ambulantes e nas supervarejistas chinesas, contudo, é possível encontrar os dispositivos por menos de 10 euros (R$ 60).
A popularização dos aparelhos, que explodiu de vez neste verão, acompanha o aumento das temperaturas na Europa, continente que tem o ritmo de aquecimento mais alto, segundo a OMM (Organização Meteorológica Mundial).
Dados do observatório Copernicus, da Agência Espacial Europeia, indicam que 2024 está se encaminhando para superar 2023 como o ano mais de que se tem registro.
E o verão tem sido particularmente tórrido. Julho deste ano foi declarado o segundo mais quente da história, além de ter registrado os dois dias com a temperatura média mais alta de que se tem notícia.
Vivendo em Madri há cerca de três meses, o gaúcho Lucas Vitorino, 31, acabou se rendendo ao aparelho pouco depois de conhecer as temperaturas na capital espanhola, que frequentemente ultrapassam a barreira dos 35°C nesta época do ano.
“Aqui faz um calor insuportável em alguns dias. A ideia veio quando vi um grupo de orientais fazendo passeio com guia turístico e vários deles usavam”, relata.
Depois de pesquisar na internet, ele encontrou diversos modelos. “Vi um que tinha o design mais bonito e parecia ser mais forte e acabei escolhendo esse. Acho que paguei uns 16 euros [R$ 97].”
A versão escolhida foi a mais discreta: ela circunda o pescoço e se assemelha bastante aos modelos de fone de ouvido sem fio. “Ele é bem silencioso, as pessoas à volta praticamente não escutam quando ele está ligado. Muitas vezes passa até despercebido, pois ele parece mais um headphone solto no pescoço.”
Na avaliação do gaúcho, que usa o dispositivo quando está se deslocando na rua e sob o sol, o aparelho trouxe maior conforto térmico para sua vida.
“Como aqui é muito seco e não tem nada nada de vento na rua, ele acaba fazendo bastante diferença. Acho que, por resfriar a cabeça, acaba dando uma sensação mais fresca pro corpo todo.”
Um dos inconvenientes, diz ele, é a dificuldade para conversar enquanto se usa o ventiladorzinho. “Se tiver alguém comigo, a corrente de ar faz com que dê uma bloqueada no som ao redor. Então, quando minha esposa está junto, acabo usando em uma potência menor para podermos conversar.”
Adepta do ventilador de pescoço há uma semana, a auxiliar de serviços gerais espanhola Vanessa Yuncal diz estar muito satisfeita com a compra. No prédio de escritórios de alto padrão em que ela trabalha, no centro de Madri, várias funcionárias da limpeza podem ser vistas também com seus aparelhinhos.
“Dentro das salas temos ar-condicionado, mas, quando estamos no pátio e em outras áreas, está fazendo muito calor”, explica. “Para mim foi excelente: funciona bem e ainda por cima foi barato.”
A professora Victoria Rodriguez, 38, decidiu acoplar um ventilador portátil no carrinho de bebê da filha, que acaba de completar quatro meses. “Um dia, na pracinha, vi que outras mães estavam usando e decidi experimentar também”, detalha.
“Não faz milagres, mas acho que ela fica menos incomodada quando precisamos estar do lado de fora neste calor”, explica Victoria, que, por outro lado, diz não ter se adaptado ao dispositivo para si mesma. “Acho muito trabalhoso ter de me preocupar se a bateria estar carregada, sem contar no peso a mais na bolsa. É o tipo de coisa que eu só faço mesmo pela minha filha.”
Ainda que os ventiladores ajudem moradores e viajantes a suportarem melhor o calor, especialistas dizem que é preciso estar atento à procedência e também aos resíduos gerados pela invasão desses pequenos dispositivos.
Na avaliação de Michel Santos, gerente políticas públicas da ONG WWF Brasil, esses instrumentos são uma “falsa solução de adaptação” ao aquecimento global, uma vez que acabam agravando outra crise, a do aumento da poluição por plásticos.
“O que precisamos é de medidas concretas e de larga escala de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, não de soluções de momento. Todos estamos sentindo seus efeitos. É urgente enfrentar esse problema e, se continuarmos nesse ritmo, só vai piorar”, afirma.
O especialista em políticas públicas defende ainda a concretização de um tratado internacional para o uso de plásticos. Atualmente a ONU (Organização das Nações Unidas) está trabalhando para chegar a um consenso nesse sentido até novembro.
“É também essencial estabelecer regulações globais e legalmente vinculantes para reduzir a produção de plásticos, especialmente os de uso único e os de difícil reciclagem como são esses ventiladores portáteis, e para incentivar o desenvolvimento de alternativas melhores em termos de composição, mais duráveis e mais seguros para pessoas e o meio ambiente”, completa.