Em abril de 2022 —antes de o bilionário comprar o Twitter e rebatizá-lo de X, portanto—, Elon Musk postou na rede um desenho do biólogo evolucionista americano Colin Wright.
A imagem mostrava uma figura representando o seu autor, que se identificava com a centro-esquerda, cada vez mais isolado à medida que os progressistas dos Estados Unidos se deslocavam para a esquerda ao longo da década de 2010. Ao final, ele estava bem mais próximo da direita, embora sua ideologia não tivesse mudado.
O desenho foi ridicularizado na época. Mas eventos recentes sugerem que pode haver um fundo de verdade nele. Vale reforçar que o principal motivo pelo qual os democratas perderam as eleições nos EUA foi a inflação. Mas isso não significa que os resultados do pleito não tragam outras lições.
Dados sugerem que o Partido Democrata perdeu espaço entre os eleitores moderados, embora tenham mantido sua base entre os progressistas. Exatamente como retratado por Wright, a guinada acentuada da sigla para a esquerda observada na última década os distanciou do eleitor mediano.
É possível constatar isso não só por meio da autodeclaração ideológica dos eleitores democratas, mas também ao observar suas opiniões sobre temas como imigração e necessidade de ações afirmativas. Notavelmente, a mudança começou em 2016, o que significa que a eleição de Trump radicalizou a esquerda, não a direita.
Alguns argumentam que as atuais posições dos democratas não são mais do que um reflexo da agenda progressista, mas há evidências de que não é bem assim.
O progresso dos EUA em direção à tolerância e à igualdade racial e de gênero ao longo da história foi um movimento gradual. Ele foi liderado pelos progressistas e pelo centro, é verdade, mas a direita rapidamente os acompanhava.
Os pivôs da última década, em contraste, foram abruptos e estão deixando a maioria dos eleitores para trás. Eles são melhor caracterizados como mudanças de discurso do que como movimentos que buscam mais tolerância e igualdade.
Muitas dessas propostas que hoje guiam o Partido Democrata foram formuladas por ativistas e funcionários de ONGs que cercam a sigla. Em uma pesquisa valiosa conduzida em 2021 pelos cientistas políticos Alexander Furnas e Timothy LaPira, do think-tank Data for Progress, descobriu-se que as opiniões dessa “elites políticas” estão frequentemente muito à esquerda do eleitor mediano —e até mesmo do eleitor mediano democrata— no que se refere a temas culturais.
Isso pode criar situações em que agendas alienam os próprios grupos a que se destinam. Enquanto 73% dos democratas brancos que se identificam como progressistas apoiam a redução do tamanho e do alcance das forças policiais, apenas 37% dos negros americanos concordam com essa ideia.
Um novo estudo de Amanda Sahar d’Urso e Marcel Roman, das universidades Georgetown e Harvard, respectivamente, descobriu que o termo latinx, adotado por ativistas como forma de incluir pessoas que não se identificam com o gênero masculino ou feminino, não só é extremamente impopular entre muitos hispano-americanos, como pode ter levado alguns deles a apoiarem Trump.
Os líderes do Partido Democrata podem argumentar que a promoção de agendas como essas são feitas por ativistas, não por políticos. Mas a preocupação com a censura é generalizada entre praticamente todos os grupos de americanos, exceto a esquerda progressista.
Os eleitores dos EUA também acreditam que os democratas se moveram muito mais à esquerda do que os republicanos se deslocaram à direita nos últimos anos. Isso, sobreposto a uma disparidade crescente na educação, vem mudando a imagem que os americanos têm do Partido Democrata.
Pesquisas mostram que, em todas as eleições de 1948 a 2012, o eleitorado via a legenda de Joe Biden e Kamala Harris como aquela que defendia a classe trabalhadora e os pobres. Em 2016, isso mudou. Hoje, o partido é visto principalmente como um defensor de minorias.
Isso resultou em um realinhamento de alguns grupos demográficos na eleição de 5 de novembro, com eleitores conservadores hispânicos e negros escolhendo cada vez mais seus candidatos de acordo com suas posições em questões culturais em vez de suas visões econômicas.
Quer os progressistas estejam prontos para aceitar isso ou não, as evidências apontam todas para uma direção. Eleitores moderados dos EUA não abandonaram os democratas; foi o partido que os afastou.