“Milhares vão morrer.” A advertência brutal foi feita por Peter Muennig, professor de uma das melhores faculdades de saúde pública dos EUA, a Mailman School, da Universidade Columbia. Muennig reagia à indicação de Robert Kennedy Jr. para chefiar o Departamento de Saúde no gabinete de Donald Trump.
Kennedy é o mais famoso ativista antivacina do país, não só por ser filho de um senador e sobrinho de um presidente, ambos assassinados nos anos 1960. Antes de se enfurnar na toca sem fundo de teorias conspiratórias, ele havia atraído respeito como advogado ambientalista.
Depois de uma campanha fracassada à Presidência e de ser rejeitado por Kamala Harris, que recusou um pedido de encontro, Kennedy se atirou nos braços do republicano que passou meses negando a gravidade da pandemia de Covid quando estava na Casa Branca.
O advogado, que ainda deve passar por uma sabatina no Senado, descreve as vacinas contra Covid como as mais perigosas da história, embora estudos calculem que elas salvaram a vida de 20 milhões de pessoas em todo o mundo. Como descobriram brasileiros e americanos que perderam centenas de milhares de entes queridos —mortes causadas por falta de liderança no topo—, o ativismo anticiência é letal.
No final de 2019, Samoa estava enfrentando um surto de sarampo que já tinha provocado 16 mortos, a maioria crianças com menos de 2 anos. Médicos suspeitavam que a fonte de contágio era um cidadão da Nova Zelândia que havia desembarcado na ilha da Polinésia.
Robert Kennedy Jr. escreveu à primeira-ministra de Samoa afirmando que a fonte do surto era a própria vacina contra o sarampo, que, segundo ele, não produzia anticorpos e era responsável por criar uma variante mais letal da doença. Meses antes, ele havia visitado a ilha como líder da ONG que fundou, a Children’s Health Defense, e manteve encontros espalhando sua mensagem antivacina —o que ele hoje nega, mas é documentado por médicos.
Houve uma explosão de sarampo que matou 83 pessoas até que a chefe do governo, em pânico, pediu ajuda do hoje governador do Havaí, o médico Josh Green, que levou uma equipe do seu estado para vacinar 36 mil crianças de Samoa.
Na África, a ONG de Kennedy combateu campanhas de educação para reduzir casos de Aids. Ele financiou ou se associou a figuras que espalham que as torres de celulares 5G causam câncer no continente, além de acusar a Organização Mundial de Saúde de violar a soberania de países promovendo anticoncepcionais para reduzir populações. Desde 2020, a ONG moveu dezenas de ações judiciais contra a vacinação obrigatória para estudantes ou classes profissionais nos EUA.
Na última terça-feira (3) o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg pediu aos senadores republicanos que convençam Trump a cancelar a indicação de Kennedy, descrevendo-a como “mais do que perigosa”. Falando numa conferência anual de saúde pública que sua fundação Bloomberg promove, o empresário de 82 anos recordou os terrores de uma infância marcada por casos de poliomielite, doença para a qual a vacina só apareceu em 1955.
Bloomberg perguntou o que seria do país se Kennedy estivesse no comando da Saúde em 2020. A pergunta não é retórica, como ele lembrou: outra pandemia bate à porta da América do Norte, a da gripe aviária H5N1 que saltou de animais para humanos e passou de 50 casos este ano nos EUA.
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