Representantes de universidades nos Estados Unidos temem o impacto do governo Donald Trump nas instituições de ensino superior. Entre os receios estão o risco de interferência nos conteúdos curriculares e o corte de financiamentos.
Ao longo da campanha, tanto o presidente eleito quanto seu vice, J.D. Vance, adotaram um discurso hostil em relação ao setor. Vance chamou as universidades de inimigas, e Trump, por sua vez, prometeu acabar com o discurso woke, expressão usada de forma pejorativa por conservadores para definir o conjunto de discursos focados em raça, gênero e identidade.
Trump afirmou que as universidades precisam ser resgatadas de “maníacos marxistas” e ameaçou acabar com financiamento e mesmo impor multa às instituições que mantenham departamentos de diversidade.
Embora tenha tentado se afastar do chamado Projeto 2025, espécie de cartilha ultraconservadora elaborada por aliados, o presidente eleito chancela algumas das medidas descritas no plano. Entre elas, está a previsão de acabar com o Departamento de Educação. Há dúvidas acerca da viabilidade da proposta devido à dificuldade de implementá-la —Trump precisaria de aprovação do Congresso para isso.
O Projeto 2025 também prevê rever empréstimos a estudantes e só concedê-los em casos raríssimos. A agenda ultraconservadora ainda prega diminuir o número de vistos para estudantes estrangeiros.
A presidente da Associação Americana de Faculdades e Universidades, Lynn Pasquerella, diz à Folha ter muitos medos ligados à posse de Trump. “Há preocupação sobre a promessa de eliminar o Departamento de Educação e o que isso pode significar para as proteções dos alunos e das equipes”, afirma.”Trump também pode acabar com o programa de isenção de dívidas estudantis, então há o receio de que haverá uma segregação econômica e, portanto, racial na educação superior.”
Pasquerella também cita a possibilidade de o republicano dificultar o acesso a visto ou impor restrições de viagem a alunos que tenham autorização para estudar nos EUA. Essa expectativa tem levado uma série de reitores a incentivar estudantes estrangeiros a retornarem das férias antes do dia 20 de janeiro, quando Trump tomará posse.
“Não vamos violar a lei, mas também não vamos ajudar o governo criando uma sensação de medo”, afirma Pasquerella. “Os reitores querem criar um sentimento de bem-estar para cada um de seus alunos por entenderem que a força da educação superior americana é, em parte, derivada da diversidade do corpo aluno e da faculdade.”
A presidente da associação de universidades diz ainda que há ameaças de cortes de financiamento para pesquisas em temas específicos, como direitos reprodutivos e mudanças climáticas.
O Texas, por exemplo, aprovou no ano passado uma lei que obrigou instituições de ensino superior a fecharem seus departamentos de diversidade, equidade e inclusão. Isso fez com que elas removessem das descrições dos cursos palavras como raça, gênero, classe e equidade.
Na Flórida, o governador republicano Ron DeSantis também assinou uma lei em 2023 para bloquear o financiamento federal e estadual de programas que promovam o ensino de diversidades nas universidades públicas. Para o governador, esses departamentos são associados à doutrinação de alunos.
Frederick M. Lawrence, professor de direito na Universidade Georgetown, diz à reportagem que as universidades estão atentas para verificar se as promessas de Trump na campanha eram retóricas ou vão virar realidade. Destaca que Trump nomeou Linda McMahon, uma ex-empresária do ramo de luta livre, para comandar a Educação. Linda é inexperiente na área, o que torna imprevisível sua gestão.
“Um princípio fundamental da liberdade acadêmica é que são as próprias faculdades e universidades que devem tomar as decisões acadêmicas com base em critérios acadêmicos. Essas são decisões que não devem ser tomadas pelo governo com base em critérios políticos, mas pelas instituições com base em critérios acadêmicos”, ressalta Lawrence.
O professor teme ainda que o próximo governo barre estrangeiros nas universidades americanas —o que, em sua visão, seria uma perda para o país.
Alguns diretores se anteciparam e buscaram afirmar aos alunos que farão de tudo para “proteger os mais vulneráveis”.
“As deportações em massa prometidas pelo presidente eleito ameaçam nossos estudantes que podem ser indocumentados e são motivo de grande preocupação para muitos em nossa comunidade”, escreveu Michael Roth, presidente da Universidade Wesleyan no dia seguinte à vitória de Trump.
“A universidade não ajudará voluntariamente nenhum esforço do governo federal para deportar nossos estudantes, professores ou funcionários unicamente devido a seu status de cidadania”, afirmou.