Em meio ao agravamento na crise regional com o vizinho Azerbaijão, o governo da Armênia iniciou nesta segunda (11) uma série de exercícios militares com forças dos Estados Unidos, provocando imediata reação negativa na Rússia.
As manobras em si são ínfimas, envolvendo 85 soldados americanos e 175 militares armênios, mas altamente simbólicas, já que são desenhadas para simular operações de manutenção de paz. Justamente o trabalho que Ierevan acusa a Rússia de não estar fazendo como sua principal aliada e garantidora do cessar-fogo que encerrou a guerra com Baku em 2020.
Desta forma, o exercício pode ser visto como uma provocação direta a Moscou, mas no sentido de querer chamar a atenção para a situação. Para os americanos, é uma oportunidade única de mostrar sua presença naquilo que é visto por Vladimir Putin como um de seus principais quintais geopolíticos.
Do ponto de vista estratégico, o Cáucaso é uma rota de invasão histórica e de conflitos com a Rússia, particularmente com a Turquia, que apoia o Azerbaijão e lhe deu condições militares para a vitória tática no conflito de 2020 —que era a continuação de um conflito vencido nos anos 1990 pelos armênios pelo controle da região de Nagorno-Karabakh.
Trata-se de um encrave armênio no território azeri, uma cortesia da colcha de retalhos que era a União Soviética, país que ambos os rivais integravam até sua dissolução, em 1991. Com a retomada de vários territórios em torno da região, coube aos russos estabelecerem uma missão de paz para evitar escaladas e manter aberta a rota que liga Nagorno-Karabakh à Armênia, o chamado corredor de Lachin.
Nos últimos nove meses, ela foi fechada diversas vezes, levando às queixas de Ierevan. Neste domingo (10), um acordo parece ter garantido a reabertura do caminho.
O problema para a Armênia é sua grande dependência dos russos, que mantêm no país sua maior base militar no exterior. O governo do premiê Nikol Pashinyan tem feito críticas abertas a Moscou e disse que seria necessário abrir negociações com a Otan [aliança militar liderada pelos EUA], já que a concorrente russa Organização do Tratado de Segurança Coletiva não lhe garantia estabilidade.
“Mas tanto Ierevan quanto Moscou entendem que a Armênia é dependente economicamente da Rússia e que seus laços, especialmente por meio da União Econômica Eurasiana [outra estrutura dominada por Moscou] apenas cresceram. Após as sanções ocidentais contra os russos, a Armênia foi a maior beneficiária no grupo”, afirmou Ekaterina Zolotova, da consultoria americana Geopolitical Futures.
O comércio entre os dois países praticamente dobrou depois da invasão da Ucrânia, com a Armênia servindo de rota alternativa no comércio exterior russo.
Pashinyan sempre se equilibrou entre a vontade de abertura ao Ocidente e a realidade pós-soviética de seu país, sendo uma figura não muito bem vista em Moscou. Desta forma, esticar a corda com Putin pode ter o condão de lhe trazer mais pressão interna, o que não seria uma má ideia sob a ótica do Kremlin.
Outros atores se posicionam na conturbada região, a começar pela Turquia, mas também o Irã, que tem fortes laços étnicos com os azeris. Para Washington, se uma guerra aberta entre Ierevan e Baku não é do interesse imediato, uma tensão forte o suficiente para drenar atenção russa em meio ao conflito na Ucrânia é uma perspectiva vantajosa.
No meio de tudo isso, contudo, estão os moradores da região. Não há um acordo de paz definitivo acerca da disputa de Nagorno-Karabakh e o Azerbaijão tem um pedaço de seu território, Nakhchivan, ensanduichado entre a Armênia e o Irã.
“Conflito sobre Nagorno-Karabakh vai muito provavelmente ocorrer, dada a natureza das disputas. A questão é quando e quão severo será. Enquanto isso, o jogo geopolítico na região vai seguir o mesmo: a Rússia não vai embora, os EUA estão prontos para irritar Moscou com aparições periódicas e a Turquia irá avançar seus interesses”, afirmou Zolotova em sua análise sobre a tensão nesta segunda.