Os Estados Unidos sempre deportaram, e muito. Tanto em gestões democratas quanto em republicanas. Nunca foi uma política de sucesso, pois imigrantes em situação irregular continuamente encontram vias alternativas para chegar a seu destino. Quanto mais se reforçaram os controles de fronteira ao longo dos anos, mais rotas e estratégias foram surgindo.
Exemplos claros disso nos dias de hoje são a transformação do chamado estreito de Darién, entre o Panamá e a Colômbia, de uma floresta fechada a uma trilha extremamente movimentada. Ou o fato de paraísos turísticos caribenhos estarem hoje apinhados de pessoas que se arriscam em embarcações precárias rumo ao norte.
Na última sexta-feira (8), o presidente eleito americano, Donald Trump, reiterou em entrevista à NBC que pretende atingir recordes com seu projeto de expulsão de imigrantes. Sem uma contrapartida que inclua uma cooperação com os governos dos países de onde esses imigrantes saem, porém, ele apenas causará uma escalada de problemas humanitários. Ninguém se arrisca em travessias perigosas se vive num ambiente estável.
Foi devido a um programa intenso de deportação nos anos 1990 que filhos de imigrantes centro-americanos foram levados aos países de seus antepassados. Muitos nem sequer falavam espanhol. Recém-saídos de guerras civis, Guatemala, El Salvador e Honduras não tinham capacidade de acolher uma população sem formação profissional. Esse contexto deu início às “maras”, facções criminosas que hoje contam com mais de 100 mil integrantes e ramificações em vários países da região, com centros de operação tanto na América do Sul como nos próprios EUA.
Um programa de deportação ainda mais amplo deve intensificar os problemas de segurança, por exemplo, do Equador, hoje um dos países dos quais mais pessoas tentam escapar da violência causada pelo enfrentamento entre cartéis estrangeiros que ali se instalaram vindos do México, da Colômbia e até dos Bálticos. Devolver criminosos a países cujas prisões são cenário de massacres frequentes é planejar novos banhos de sangue.
A Venezuela, onde a fome e a perseguição política não têm perspectiva de fim com a reafirmação de Nicolás Maduro no poder, somente poderá receber refugiados com prisão ou sofrimento. E isso sem mencionar o Haiti, onde acordar a cada dia é um milagre, e a Nicarágua, onde opositores da ditadura de Daniel Ortega são encarcerados ou exilados, tendo seus bens e mesmo sua cidadania confiscados.
Quem mais sentirá o impacto imediato dessa política será o México. Trump sempre pressionou os presidentes mexicanos com quem conviveu, Enrique Peña Nieto e Andrés Manuel López Obrador, a oferecer abrigo alternativo a imigrantes vindos do sul.
Este é o principal desafio que Claudia Sheinbaum enfrentará no início de seu mandato: negociar ou confrontar. Sua posição é extremamente difícil, uma vez que a economia mexicana depende do comércio com seu vizinho do norte.
As administrações democratas, nos últimos anos, expandiram as permissões de entrada e permanência nos EUA a meio milhão de venezuelanos e mais de um milhão de cubanos, haitianos, nicaraguenses, salvadorenhos e hondurenhos. Isso por causa do agravamento da crise econômica e política nesses países.
Se Trump tentar reverter isso, uma nova escalada de violência e de crise humanitária despontará no horizonte.
Apenas uma ampla política de cooperação regional pode solucionar esse problema tão grave. Caso contrário, a imigração continuará a crescer, acompanhada de xenofobia, crimes raciais e delinquência.
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