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EUA: Crueldade é entretenimento na campanha de Trump – 20/03/2024 – Lúcia Guimarães

A explosão de gargalhadas no teatro de Los Angeles, na noite do Oscar, durou 13 segundos. O comediante Jimmy Kimmel, atacado por Donald Trump numa rede social pelo desempenho como anfitrião da cerimônia, disse que estava surpreso em saber que o ex-presidente ainda estava acordado e arrematou: “Já não passou da sua hora de ir para a cadeia?”

A plateia não reagia apenas à esperteza da piada improvisada. Era um riso familiar de alívio diante da chance de ridicularizar um tirano.

Em maio de 2016, seis meses antes da eleição presidencial, o então presidente Barack Obama espinafrou repórteres que, na opinião dele, não levavam Trump a sério e cobravam menos consistência do republicano do que de Hillary Clinton. “Isto não é entretenimento,” disse Obama. “Não é reality show.”

Mas era e continua a ser espetáculo, e a imprensa política continua sem norte. Com a aproximação da eleição de novembro e Trump virtualmente confirmado pela terceira vez como candidato republicano, o tom dos comediantes vai ficando mais brutal, como também são cada vez mais cruéis as piadas infantis de Trump contra Biden e contra todos que identifica como adversários.

Na segunda (18), o mesmo Jimmy Kimmel continuou a se deliciar em seu talk show com a irritação de Trump pela piada no Oscar e exibiu um vídeo em que um modelo obeso e seminu com a cabeça de Trump corta as unhas do pé na cama, enquanto Melania Trump, atingida por pedaços de unha, vomita de nojo. Seria difícil imaginar, até recentemente, este grau de ferocidade num canal da TV aberta americana.

E é igualmente difícil imaginar, até a Presidência de Bush filho, um republicano que disparasse a artilharia de vulgaridade escatológica ouvida hoje nos comícios de Trump e de seus seguidores no Congresso. Nenhum insulto é tabu. Irritado com a repercussão do vigoroso discurso de Biden no Estado da União, Trump começou a gaguejar num comício, fingindo imitar Biden —que superou a gagueira a muito custo na adolescência e ignorou o tapa na cara estendido a milhões de americanos com o mesmo problema.

Se a risada na noite do Oscar é prima da cultura carnavalesca que desafia a autoridade e inverte papéis, a comédia trumpista é parte integral do circo de crueldade que diverte o culto ao ex-presidente. A cada discurso —e eles estão cada vez mais desconexos— as diatribes têm que ser recheadas de bile contra minorias raciais, pessoas trans e especialmente imigrantes descritos com verve hitlerista como “vermes” que “envenenam o sangue no nosso país.”

As promessas de horrores podem ser feitas em voz melódica, como se Trump contasse uma história para o eleitor na hora de dormir. Odiar é engraçado, e a multidão entretida se absolve de compaixão ou compasso moral, isolada no planeta Trump, onde os violentos condenados pela invasão do Capitólio agora são homenageados com o hino nacional no começo de cada comício.

Trump não tem senso de ironia, e sua comédia não é a de Mark Twain ou Millôr Fernandes. Mas, o que lhe falta em couraço psicológico para aturar piadas de Jimmy Kimmel, sobra em impermeabilidade à vergonha.

Bolsonaro, Putin e Kim Jong-un são palhaços úteis para comediantes quando há chance de torná-los ridículos para as populações que oprimem com sofrimento abjeto e morte. Já Donald Trump passou a vida usando o talento circense como distração para seus crimes. Ele está brincando, diziam em 2016. Não estava e não está.


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Fonte: Folha de São Paulo

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