Após derrubar pela primeira vez na história o seu presidente, a Câmara dos Deputados americana tenta entender o que fazer nesse cenário sem precedentes. O desafio urgente é encontrar um novo nome para liderar a Casa, que ficará paralisada até que a tarefa seja cumprida.
Com a divisão interna dos republicanos, maioria no plenário, a expectativa é que seja um processo turbulento e politicamente custoso ao partido a pouco mais de um ano das próximas eleições.
Os republicanos devem escolher um nome na próxima terça-feira (10). A previsão é que a eleição no plenário da Câmara aconteça na quarta (11). Até lá, a Casa deve ficar em recesso. Por ora, ela é presidida interinamente por Patrick McHenry.
A disputa em janeiro vencida pelo líder derrubado, Kevin McCarthy, exigiu quatro dias e 15 votações —um impasse não visto em 164 anos na Casa. Passados nove meses, ele perdeu o posto na terça (3), em decorrência da rebelião de uma ala radical republicana comandada por seu arquirrival, Matt Gaetz, representante da Flórida.
O grupo foi uma pedra no sapato para McCarthy desde a eleição em janeiro, partindo para o tudo ou nada após o presidente evitar uma paralisação do governo no último sábado (30). Apenas oito republicanos votaram pela remoção, mas, somados aos democratas, que votaram em bloco contra McCarthy, foi o suficiente para a sua derrota.
Até agora, dois nomes lançaram-se oficialmente na corrida: Jim Jordan, de Ohio, e Steve Scalise, da Louisiana. Um dos fundadores da ultraconservadora e autointitulada bancada da liberdade, Jordan é próximo do ex-presidente Donald Trump e preside a Comissão Judiciária, enquanto Scalise é o segundo principal nome do comando do partido na Câmara. McCarthy e Gaetz afirmaram que não vão concorrer.
O deputado da Louisiana é conhecido por ter levado um tiro em 2017 durante um jogo de beisebol entre republicanos. Recentemente ele anunciou ter sido recebido diagnóstico de leucemia.
Como os republicanos são maioria na Casa, com 221 votos, cabe a eles, na prática, escolher uma nova liderança. Não obstante, os democratas também apresentarão um nome.
“Eu acredito que posso unir a base conservadora, o partido e a bancada na Câmara, é por isso que estou concorrendo”, disse Jordan a jornalistas nesta quarta.
Scalise também ressaltou sua capacidade de unir o partido em carta enviada aos colegas.
Questionado sobre qual nome apoia para a presidência da Câmara, Trump disse não endossar ninguém. “Tudo que eu posso dizer é que vamos fazer o que for melhor para o país e para o Partido Republicano.”
Alguns nomes extremistas na Câmara, como Troy Nehls, do Texas, defenderam a indicação do ex-presidente para o cargo. Tecnicamente não há um impedimento, mas o posto nunca foi ocupado por alguém que não fosse um deputado. A proposta não encontrou eco no resto do partido, tampouco em Trump.
Seja quem for o novo presidente, uma das primeiras medidas a serem tomadas, ao menos na visão do líder do partido no Senado, Mitch McConnell, é se livrar do instrumento usado por Gaetz para retirar McCarthy do cargo. O uso da moção para vacância foi facilitado pelo próprio McCarthy em janeiro como uma concessão aos colegas radicais em troca de apoio à sua eleição.
“Ela torna o trabalho do presidente da Câmara impossível. O povo americano espera que nós tenhamos um governo funcional”, afirmou McConnell nesta quarta.
A turbulência no Legislativo é um problema também para a Casa Branca, que precisa que os deputados aprovem as 12 leis orçamentárias para o ano fiscal de 2024, iniciado em 1º de outubro. Se elas não forem sancionadas em cerca de 40 dias, o governo também fica paralisado por falta de recursos –evento conhecido como “shutdown”.
Entre os recursos que precisam de chancela está a ajuda à Ucrânia, em guerra contra a Rússia. O envio do dinheiro a Kiev é uma prioridade da política externa americana, mas republicanos radicais se opõem –Jordan, por exemplo, já afirmou ser contrário.
“A disfunção me preocupa”, afirmou o presidente dos EUA, Joe Biden, sobre os problemas na Câmara. Ele disse, no entanto, que não espera que projetos de leis aprovados com apoio bipartidário sejam desfeitos por uma nova liderança.
Questionado por jornalistas ao final da entrevista sobre qual seria seu conselho para o novo líder da Câmara, Biden respondeu que isso estava “além do salário” dele.
Uma vítima inusitada da confusão republicana foi a ex-presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi. O líder interino da Casa comunicou a deputada que ela deve devolver o escritório que vinha utilizando no Capitólio, uma espécie de privilégio para lideranças anteriores. Segundo a CNN, McCarthy é quem vai ficar com o espaço agora.