A estatal chinesa Norinco enviou carta a autoridades brasileiras para comunicar o interesse em adquirir 49% das ações da Avibras Aeroespacial, considerada a principal fabricante de sistemas pesados de defesa do Brasil.
O documento chegou na quinta-feira (13) ao Ministério da Defesa brasileiro. A informação foi confirmada à Folha por três oficiais-generais e um integrante do governo Lula (PT).
Procurada, a Avibras informou que não se pronunciaria a respeito.
O interesse da Norinco foi apresentado após o grupo de investidores australiano DefendTex desistir das negociações com a Avibras por dificuldade de obter financiamento para a empreitada —o governo da Austrália, que financiaria um terço dos cerca de US$ 200 milhões (cerca de R$ 1 bilhão) em que o negócio estava avaliado, barrou o acesso a crédito do grupo.
Um empresário com conhecimento das negociações afirmou, sob reserva, que outro motivo para o recuo foi o fato de o governo brasileiro vetar exportações de produtos militares para uso na Guerra na Ucrânia.
O principal foco de curto prazo da compra seria a venda de foguetes de calibre 122 mm usados como munição dos lançadores autopropulsados BM-21 Grad, empregados em Kiev. O armamento foi criado na década de 1960 pela antiga União Soviética e tem alcance de até 45 km.
A estatal chinesa Norinco (China North Industries Corporation) é uma gigante da indústria de armas mundial. Ela também fabrica veículos, atua em setores de petróleo e de produtos químicos e está envolvida em projetos de construção civil na China.
Ela exporta diversos sistemas de defesa: obuseiros para defesa antiaérea, blindados anfíbios e bombas aéreas. Os produtos da estatal são constantemente usados pela China para criar disputas bélicas com os Estados Unidos.
Em 2019, a China divulgou um grande explosivo criado pela Norinco e apelidado de “mãe de todas as bombas”. Era uma tentativa de mostrar superioridade bélica em relação aos americanos, que usaram explosivo semelhante, mas teoricamente menos potente, em ataque ao Afeganistão dois anos antes.
A negociação da Avibras com a Norinco deve passar por uma análise da diplomacia brasileira. Ela não tem poder de veto à venda das ações, mas deve avaliar o impacto geopolítico da negociação de uma das principais empresas da Base Industrial de Defesa com a China.
A primeira avaliação na Defesa é de que a compra de 49% das ações manteria o comando da empresa no Brasil e seria menos trágica que uma venda de toda a Avibras. Resolveria, ainda, o problema imediato de falta de recursos para manter a fábrica de São José dos Campos (SP) em pleno funcionamento.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou na quinta-feira (13) que recebeu uma carta de um grupo estrangeiro interessado em negociar com a Avibras —sem revelar o nome dele.
“Hoje apareceu um novo candidato. Recebi uma carta de uma empresa de outro país, muito forte, com interesse em chegar com 49% [das ações]. Estamos trabalhando para que isso aconteça”, disse Múcio em videoconferência com ex-ministros da Defesa promovida pela Cedesen (Centro de Defesa e Segurança Nacional).
Três oficiais-generais das Forças Armadas ainda afirmaram que há questões legais a serem avaliadas se o negócio for fechado. Uma preocupação é a manutenção da Avibras como Empresa Estratégica de Defesa, segundo os critérios da legislação brasileira.
Há ainda receio com o impacto da negociação nos contratos das Forças Armadas com a Avibras.
A Avibras Aeroespacial é a principal fornecedora brasileira de mísseis e foguetes para o Exército. Ela ainda é a única responsável por fornecer munições para um dos projetos estratégicos de defesa da Força, o Sistema Astros.
Além disso, ela desenvolve o primeiro míssil tático de cruzeiro brasileiro, atualmente em fase final de testagem —com capacidade de atingir alvos a 300 km de distância, ele ‘é o principal foco de aquisição do Exército para a tática militar de antiacesso, geralmente utilizada para evitar a entrada de forças inimigas no território nacional.
O grupo, porém, sofre com dificuldades financeiras há mais de uma década. A empresa não respondeu os questionamentos da Folha.
Em março de 2022, a Avibras pediu recuperação judicial. De uma só vez, demitiu 420 de seus 1.500 funcionários —os remanescentes estão sem salários há mais um ano.
Na época, as dívidas eram estimadas em R$ 570 milhões, um montante que hoje beira os R$ 700 milhões. A situação dos trabalhadores na sede em São José dos Campos, e a desaceleração fabril tem preocupado Lula.
Em 2023, o presidente chegou a determinar que o vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro da Indústria, e Múcio estudassem alternativas para auxiliar a Avibras e evitar seu fechamento.
Pessoas envolvidas nas tratativas disseram que representantes da Defesa conversaram com empresas dos Emirados Árabes Unidos para viabilizar uma recuperação por meio de novos contratos no exterior. Não houve sucesso.
Em outra frente, o governo avaliou a possibilidade de o Estado brasileiro injetar recursos na empresa, que tem entre seus credores o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O entendimento, porém, foi que a operação seria complexa devido à falta de um arcabouço legal para socorrer empresas com fins estratégicos.