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Esquerdista rico dos EUA está ligado à propaganda chinesa – 19/08/2023 – Mundo

O protesto na movimentada Chinatown de Londres reuniu diversos grupos de ativistas para se opor ao aumento dos crimes de ódio contra asiáticos. Portanto, foi peculiar quando estourou uma briga de rua entre manifestantes, a maioria deles de origem chinesa.

Testemunhas disseram que a luta, em novembro de 2021, começou quando homens alinhados aos organizadores do evento, incluindo um grupo chamado No Cold War [Não à Guerra Fria], atacaram ativistas que apoiavam o movimento democrático em Hong Kong.

Na superfície, o No Cold War é um coletivo pouco estruturado dirigido principalmente por ativistas americanos e britânicos que dizem que o discurso do Ocidente contra a China desvia a atenção de questões como mudança climática e injustiça racial.

Na verdade, como descobriu uma investigação do New York Times, isso faz parte de uma campanha de influência generosamente financiada que defende a China e promove sua propaganda. No centro está um carismático milionário americano, Neville Roy Singham, conhecido como um socialista apoiador de causas de extrema esquerda.

O que é menos conhecido, e está escondido entre um emaranhado de grupos sem fins lucrativos e empresas de fachada, é que Singham trabalha em estreita colaboração com a máquina de mídia do regime chinês e está financiando sua propaganda em todo o mundo.

De um grupo de pensadores em Massachusetts a um espaço para eventos em Manhattan, de um partido político na África do Sul a organizações de notícias na Índia e no Brasil, o Times rastreou centenas de milhões de dólares enviados a grupos ligados a Singham que misturam ativismo progressista com temas defendidos pelo regime chinês.

Alguns, como o No Cold War, surgiram nos últimos anos. Outros, incluindo o grupo antiguerra americano Code Pink, se modificaram com o tempo. O Code Pink já criticou o histórico de direitos civis da China, mas agora defende a detenção de uigures predominantemente muçulmanos, o que especialistas em direitos humanos rotularam de crime contra a humanidade.

Esses grupos são financiados por organizações sem fins lucrativos dos Estados Unidos com pelo menos US$ 275 milhões em doações.

Mas Singham, 69, mora em Xangai, onde um canal de sua rede está coproduzindo um programa no YouTube financiado em parte pelo departamento de propaganda da cidade. Dois outros estão trabalhando com uma universidade chinesa para “espalhar a voz da China para o mundo”. E no mês passado Singham participou de um workshop do Partido Comunista para promover a legenda internacionalmente.

Singham diz que não trabalha sob a direção do regime chinês. Mas a linha entre ele e o aparato de propaganda é tão tênue que ele divide o espaço do escritório –e seus grupos compartilham funcionários– com uma empresa cujo objetivo é educar os estrangeiros sobre “os milagres que a China criou no cenário mundial”.

Anos de pesquisa mostraram como a desinformação, tanto doméstica quanto estrangeira, influencia o discurso conservador dominante. A rede de Singham mostra como é esse processo na esquerda.

Ele e seus aliados estão na linha de frente do que as autoridades do Partido Comunista chamam de “guerra sem fumaça”. Sob o regime de Xi Jinping, a China expandiu as operações da mídia estatal, uniu-se a veículos no exterior e cultivou influenciadores estrangeiros. O objetivo é disfarçar a propaganda como conteúdo independente.

Os grupos de Singham produziram vídeos no YouTube que, juntos, acumularam milhões de visualizações. Eles também procuram influenciar a política no mundo real reunindo-se com assessores do Congresso americano, treinando políticos na África, apresentando candidatos nas eleições sul-africanas e organizando protestos, incluindo o de Londres que explodiu em violência.

O resultado é o surgimento aparentemente orgânico de grupos de extrema esquerda que ecoam pontos de discussão do regime chinês, ecoam uns aos outros e por sua vez são ecoados pela mídia estatal chinesa

Como a rede é construída com base em grupos sem fins lucrativos dos Estados Unidos, Singham pode ter direito a deduções fiscais por suas doações, disseram especialistas em impostos.

O Times desvendou a rede de instituições beneficentes e empresas de fachada que usam registros corporativos e sem fins lucrativos, documentos internos e entrevistas com mais de duas dúzias de ex-funcionários de grupos ligados a Singham. Alguns grupos, incluindo o No Cold War, não parecem existir como entidades jurídicas, mas estão ligados à rede por meio de registros de domínio na internet e organizadores em comum.

Nenhuma das organizações beneficentes de Singham foi registrada sob a Lei de Registro de Agentes Estrangeiros, como é exigido de grupos que buscam influenciar a opinião pública em nome de potências estrangeiras. Isso geralmente se aplica a grupos que recebem dinheiro ou ordens de governos estrangeiros. Especialistas jurídicos disseram que a rede de Singham é um caso incomum.

A maioria dos grupos da rede de Singham se recusou a responder às perguntas do Times. Três disseram que nunca receberam dinheiro ou instruções de um governo ou partido político estrangeiro. Singham não deu respostas concretas às perguntas. Ele disse que cumpre as leis tributárias dos países onde atua.

“Nego categoricamente e repudio qualquer sugestão de que sou membro, trabalho, recebo ordens ou sigo instruções de qualquer partido político ou governo ou seus representantes”, escreveu ele em um email. “Sou guiado apenas por minhas crenças, que são minhas antigas opiniões pessoais.”

De fato, seus associados dizem que Singham há muito admira o maoísmo, a ideologia comunista que deu origem à China moderna. Ele elogiou a Venezuela sob o líder esquerdista Hugo Chávez como um “lugar fenomenalmente democrático”. E uma década antes de se mudar para a China ele disse que o mundo poderia aprender com sua visão de gestão.

Filho de um professor esquerdista, Archibald Singham, Roy Singham é um antigo ativista que fundou a consultoria de software Thoughtworks, com sede em Chicago.

Lá, ele apareceu como um showman encantador que se orgulhava de criar uma cultura corporativa igualitária. Ele não tinha freios sobre sua política. Um ex-diretor técnico da empresa, Majdi Haroun, lembrou que Singham lhe fez uma palestra sobre o revolucionário marxista Che Guevara. Haroun disse que os funcionários às vezes chamavam uns aos outros de “camarada”.

Em 2017, Singham se casou com Jodie Evans, ex-conselheira política democrata e cofundadora do Code Pink. O casamento, na Jamaica, foi um “Quem é Quem” do progressismo. Fotos do evento mostram Amy Goodman, apresentadora do “Democracy Now!”; Ben Cohen, cofundador da sorveteria Ben & Jerry’s; e V, a dramaturga anteriormente conhecida como Eve Ensler, que escreveu “Monólogos da Vagina”.

Foi também um evento de trabalho. O convite descrevia um painel de discussão chamado “O Futuro da Esquerda”. Singham tinha um plano para esse futuro. Ele financiou silenciosamente causas de esquerda enquanto estava na Thoughtworks. Mas seu ativismo estava prestes a se intensificar. Seis meses depois de seu casamento, ele vendeu a consultoria para uma empresa de private equity. Uma cópia do contrato de venda mostra o preço de US$ 785 milhões.

“Decidi que na minha idade e com meu extremo privilégio, a melhor coisa que eu poderia fazer era doar a maior parte do meu dinheiro durante a minha vida”, disse ele em seu comunicado.

A rede ganha forma

Enquanto outros magnatas colocavam seus nomes em fundações, Singham enviava seu dinheiro por um sistema que ocultava as doações.

Em seu centro estavam quatro novas organizações sem fins lucrativos com nomes secos como Fundo Comunitário Unido e Fundo para Justiça e Educação. Eles quase não têm vestígios no mundo real, listando seus endereços apenas como caixas de correio em lojas UPS [empresa de remessa de pacotes] em Illinois, Wisconsin e Nova York.

Como as organizações sem fins lucrativos dos EUA não precisam divulgar doadores individuais, essas quatro organizações funcionaram como um gêiser financeiro, lançando uma chuva de dinheiro de uma fonte invisível.

Em seus arquivos públicos, nenhum lista Singham como membro do conselho ou doador. “Eu não as controlo”, disse ele em sua declaração, “embora eu seja conhecido por dar minhas opiniões.”

Na realidade, Singham tem laços estreitos com as quatro.

A maior delas é administrada por Evans. O estatuto de fundação do grupo diz que Singham pode demiti-la e ao resto do conselho. Ele também exige que o grupo se dissolva após a morte de Singham.

Os outros três grupos foram fundados por ex-funcionários da Thoughtworks, de acordo com entrevistas com outros ex-funcionários e currículos publicados online.

Em sua declaração, Singham reconheceu ter dado seu dinheiro a intermediários não identificados que se encaixam na descrição dessas quatro organizações sem fins lucrativos das lojas UPS. E vários grupos que receberam doações deles identificaram Singham como a fonte.

Um deles é o grupo de pensadores Tricontinental, com sede em Massachusetts. Seu diretor executivo, Vijay Prashad, relatou o financiamento de Singham em 2021. “Um marxista com uma enorme empresa de software!”, escreveu ele no antigo Twitter.

A Tricontinental produz vídeos e artigos sobre questões socialistas. Prashad não respondeu a perguntas sobre Singham, mas disse que a organização segue a lei. “Nunca recebemos e não aceitamos receber fundos ou instruções de nenhum governo ou partido político”, disse ele em comunicado.

Das organizações sem fins lucrativos das lojas UPS, milhões de dólares fluíram ao redor do mundo. O Times rastreou dinheiro para um partido político sul-africano, canais do YouTube nos EUA e organizações sem fins lucrativos em Gana e Zâmbia. No Brasil, os registros mostram que o dinheiro fluiu para um grupo que produz o Brasil de Fato, que intercala artigos sobre direitos à terra com elogios a Xi Jinping.

Em Nova Déli, segundo mostram documentos corporativos, a rede de Singham financiou o site de notícias NewsClick, que salpicava sua cobertura com assuntos do regime chinês. “A história da China continua a inspirar as classes trabalhadoras”, dizia um vídeo.

Esses grupos operam em coordenação. Eles publicaram artigos cruzados e compartilharam os respectivos conteúdos nas redes sociais centenas de vezes. Muitos dividem funcionários e escritórios, organizam eventos juntos e entrevistam seus respectivos representantes sem revelar seus vínculos.

‘Sequestrado’ na África do Sul

Várias vezes por ano, ativistas e políticos de toda a África voam para a África do Sul para campos de treinamento na Escola Nkrumah, situada numa conhecida área de safári.

Eles vão aprender a organizar movimentos operários e de esquerda. Uma vez no campus, porém, alguns participantes ficam surpresos ao descobrir que temas chineses estão infiltrados no currículo.

Em uma sessão recente, os pacotes de leitura diziam que os EUA estavam travando uma “guerra híbrida” contra a China, distorcendo informações sobre Hong Kong, Taiwan e a região de Xinjiang, onde os uigures eram mantidos em campos.

Os pacotes elogiavam os empréstimos chineses, chamando-os de “uma oportunidade para os Estados africanos construírem projetos de desenvolvimento genuínos e soberanos”. Nenhuma menção foi feita ao papel da China em uma recente crise de dívida na Zâmbia.

“Eles estão sendo presos para serem alimentados com propaganda chinesa”, disse Cebelihle Mbuyisa, um ex-funcionário que ajudou a preparar materiais para o workshop. “Movimentos sociais inteiros no continente africano estão sendo sequestrados pelo que parece ser um instrumento de política externa do Partido Comunista Chinês.”

Aqueles que se opuseram foram calados ou não foram convidados a voltar, disseram quatro participantes anteriores.

Os registros fiscais dos Estados Unidos mostram que uma das organizações sem fins lucrativos das lojas UPS, a People’s Support Foundation, doou pelo menos US$ 450 mil para treinamento na escola. No Instagram, Evans descreveu uma foto do terreno como “o novo lugar do Roy”.

Os US$ 450 mil foram apenas parte dos esforços de Singham na África do Sul. Ao todo, a fundação enviou US$ 5,6 milhões para os grupos que administram a escola; uma organização de notícias; e o Partido Socialista Revolucionário dos Trabalhadores, um partido marginal lançado antes das eleições de 2019.

‘Sempre siga o partido’

O escritório de Singham, decorado em vermelho e amarelo, fica no 18º andar da próspera Times Square de Xangai. Uma visita mostra que ele não está sozinho. Ele divide o escritório com uma empresa de mídia chinesa chamada Maku Group, que diz que seu objetivo é “contar direito a história da China”, termo comumente usado para propaganda no exterior. Em um anúncio de emprego em chinês, Maku diz que produz texto, áudio e vídeos para “redes globais de mídia popular e grupos de pensadores progressistas”.

Pode ser difícil dizer onde Maku começa e os grupos de Singham terminam. Registros de firmas sem fins lucrativos mostram que quase US$ 1,8 milhão fluiu de uma das organizações da UPS para o Maku. E em 2021, de acordo com um comunicado de imprensa em chinês, o Maku e a Tricontinental concordaram em trabalhar com uma universidade de Xangai para “contar a história da China” em chinês e inglês.

O site do Maku mostra jovens reunidos no escritório de Singham diante de uma faixa vermelha que diz, em chinês, “Sempre siga o partido”. Descansando numa prateleira está um prato representando Xi.

O Maku Group não respondeu a um pedido de comentário. Depois que o Times começou a fazer perguntas, seu site foi desativado para manutenção.

Em 2020, Singham enviou um email a seus amigos para apresentar um boletim informativo, agora chamado Dongsheng News, que informações sobre a China em inglês, francês, espanhol e português. Extraindo histórias da mídia estatal, ele mistura notícias alegres com prosa oficial burocrática.

Os editores da Dongsheng, na China, vêm da Tricontinental, mas seu endereço leva ao People’s Forum, um espaço de eventos em Manhattan também financiado por Singham. Dongsheng “fornece uma cobertura progressista única da China, que infelizmente está faltando”, disse Singham a amigos.

Seus laços com a máquina de propaganda remontam pelo menos a 2019, quando, segundo documentos corporativos, ele iniciou um negócio de consultoria com parceiros chineses. Esses parceiros são ativos no aparato de propaganda, sendo coproprietários com o governo municipal de Tongren de uma empresa de mídia que promove políticas de combate à pobreza.

A pequena cidade de Tongren, no sudoeste, pode parecer um assunto isolado. Mas as organizações da rede de Singham publicaram pelo menos uma dúzia de artigos sobre os camponeses de lá.

Code Pink

Evans, 68, já foi uma insider democrata que administrou a campanha presidencial de 1992 do governador da Califórnia, Jerry Brown. Após os ataques terroristas de 2001, ela se reinventou como ativista. Ficou conhecida por seus brincos rosa com o sinal de paz e ocupações que terminaram com sua prisão.

Ela ajudou a formar o Code Pink para protestar contra a guerra iminente no Iraque. O grupo ficou conhecido por interromper as audiências no Capitólio.

Evans se organizou em torno de causas progressistas, incluindo mudança climática, gênero e racismo. Até alguns anos atrás, ela criticava prontamente o regime autoritário da China. “Exigimos que a China pare com a repressão brutal aos defensores dos direitos humanos de suas mulheres”, escreveu ela no Twitter em 2015. Mais tarde, postou no Instagram uma foto com o dissidente chinês Ai Weiwei.

Desde 2017, cerca de um quarto das doações do Code Pink –mais de US$ 1,4 milhão– veio de dois grupos ligados a Singham.. A primeira foi uma das lojas da UPS. A segunda foi uma instituição de caridade que o Goldman Sachs oferece como canal para doações de clientes e que Singham usou no passado.

Evans agora apoia estridentemente a China. Ela a apresenta como uma defensora dos oprimidos e um modelo de crescimento econômico sem escravidão ou guerra.

Evans se recusou a responder a perguntas sobre o financiamento de seu marido, mas disse que o Code Pink nunca recebeu dinheiro de nenhum governo. “Nego sua sugestão de seguir a orientação de qualquer partido político, do meu marido ou de qualquer outro governo ou de seus representantes”, disse ela em comunicado por escrito. “Sempre segui meus valores.”

Poucos na esquerda política dos EUA questionariam o casal publicamente, temendo processos ou assédio. Outros disseram que a crítica prejudicaria as causas progressistas. Mas Howie Hawkins, candidato presidencial do Partido Verde em 2020, disse que se frustrou com o Code Pink e outros grupos da rede de Singham que se apresentavam como pró-trabalhistas, mas que apoiaram governos que reprimiam os trabalhadores.

Em junho, ativistas do Code Pink visitaram sem avisar membros da equipe do Comitê Seleto da Câmara dos EUA sobre a China. No escritório do deputado democrata Seth Moulton, de Massachusetts, ativistas negaram evidências de trabalho forçado em Xinjiang e disseram que o congressista deveria visitar e ver como as pessoas estavam felizes lá, de acordo com um assessor.

“Eles estão capitalizando preocupações muito legítimas para promover essa narrativa pró-autoritária”, disse Brian Hioe, editor do New Bloom, site de notícias progressista taiwanês. “E suas ideias acabam circulando de uma forma que afeta o discurso da corrente dominante.”

As contas da mídia estatal chinesa republicaram pessoas e organizações na rede de Singham pelo menos 122 vezes desde fevereiro de 2020, descobriu uma análise do Times, principalmente contas conectadas com o No Cold War e com o Code Pink.

No mês passado, Singham participou de um fórum de propaganda do Partido Comunista Chinês. Numa foto tirada durante uma sessão de divulgação sobre como promover o partido no exterior, Singham é visto escrevendo num caderno adornado com uma foice e um martelo vermelhos.

Fonte: Folha de São Paulo

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