“Olhe para frente, acautele-se. Fique sempre atento ao que ocorre à sua volta e mantenha seus pertences e celular escondidos.”
“Criminosos usam motos, bicicletas e bicicletas elétricas para arrancar celulares de suas mãos. Eles podem andar pela calçada ou esperar em cruzamentos. Quando estiver caminhando, olhe em direção ao trânsito. Isso pode ajudar na visualização de alguém que esteja se aproximando.”
Exceto talvez pelo termo “bicicletas elétricas”, os conselhos caberiam facilmente em qualquer grande cidade brasileira, mas esses são da Polícia Metropolitana de Londres.
Imagens da capital do Reino Unido viralizaram nas redes sociais nas últimas semanas com episódios de roubos de celular típicos de São Paulo: aparelhos subitamente arrancados das mãos de seus donos, por assaltantes a pé ou de bicicleta.
As cenas são parecidas com a do cotidiano brasileiro, com algumas adaptações, como o equipamento de fuga mais rápido e moderno. O destino dos aparelhos também não é muito diferente.
Além de um mercado paralelo local, parte dos telefones roubados viaja milhares de quilômetros, especialmente para a China, onde ganham novos usuários, graças à distância das medidas de bloqueio das operadoras de telefonia, ou são desmontados para revenda de peças.
Foi o que aconteceu com o aparelho do brasileiro Felipe Almeida. “Eu peguei o celular só para checar se o mercado estava aberto, e senti a pessoa passando e pegando”, conta ele. O roubo aconteceu em 2023, quando o baiano de Feira de Santana morava na capital britânica para completar o mestrado.
Para ele, a forma como a polícia londrina lidou com o caso foi decepcionante. “Eles me disseram que, como ele [criminoso] estava de máscara, não tinha o que fazer. E me mandaram um PDF com instruções sobre como não ser roubado em Londres“, diz.
O celular de Felipe foi furtado em Bloomsbury, bairro central de Londres com alta concentração de turistas e estudantes universitários, muitos deles estrangeiros.
Segundo a polícia, Westminster, região que concentra grandes atrações turísticas da cidade, como o palácio de Buckingham, o Big Ben, o Parlamento, os teatros de West End e as lojas de Oxford Street, registra a maior parte dos roubos de celulares.
“Comigo, graças a Deus, nunca aconteceu. Mas, outro dia, eu caminhava pela calçada perto da minha casa, em um bairro da zona central de Londres, e vi uma pessoa pulando de um arbusto e roubando o celular de um homem que estava à minha frente”, conta a brasileira Lara de Abreu Manoel, moradora de Londres. “O senhor ainda tentou correr atrás do assaltante, mas ele pegou uma bike e foi embora. Foi tipo uma emboscada”, diz.
A capital britânica responde por 74% do total de roubos de celular verificados na Inglaterra e no País de Gales, que deu um salto de acordo com as estatísticas mais recentes: 78 mil ocorrências em 12 meses até março de 2024, contra 31 mil ocorrências do período equivalente anterior. Um crescimento de 150%.
Os dados não são comparáveis, por diferenças de registro e metodologia, mas só a cidade de São Paulo teve 158 mil furtos e 165 mil roubos de celular anotados em 2023, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os números londrinos englobam também a subtração de bolsas e carteiras, mas as autoridades concordam que o principal motivo do crescimento da estatística são os celulares.
De qualquer modo, se a Folha escreveu em julho que um celular é roubado no Brasil a cada 2 minutos, a BBC já no ano passado noticiava que um celular era levado a cada 6 minutos em Londres. Em junho, um jornalista da CNN americana fez um programa sobre o tema depois de presenciar uma tentativa de furto em um restaurante da capital inglesa.
Apesar de chamar muito a atenção, os roubos efetuados por gangues de bicicleta, um problema crônico em São Paulo, são minoria. Segundo o jornal The Guardian, apenas 6% dos assaltos seriam cometidos com bicicletas e 3% com modelos elétricos.
No começo de novembro, um adulto e dois adolescentes foram condenados por 35 furtos feitos em bicicletas elétricas na cidade. Segundo a BBC, o valor estimado do total de aparelhos chegava a mais de 20 mil libras (cerca de R$ 149 mil).
O Home Office, o ministério do Interior britânico, convocou em setembro as operadoras de telefonia do país para discutir a questão. Fabricantes de aparelhos também serão chamados. Como no Brasil, as autoridades miram não apenas os assaltos, mas as quadrilhas responsáveis pela revenda e exportação irregular de aparelhos.
Outro paralelo inevitável entre os países é a mudança de comportamento imposta à população. Além das dicas da polícia, tutoriais sobre como se portar de forma prudente em Londres ganham a imprensa local e as redes sociais.
No Instagram, por exemplo, um Reels ensina como segurar o telefone de maneira mais discreta, a não usá-lo em locais públicos e a não deixá-lo em cima da mesa em um restaurante. Parte das instruções soa ingênua para olhos brasileiros, como sugerir a instalação de senhas, autenticação dupla e anotar o número do Imei (Identificação Internacional de Equipamento Móvel, em português).
Mas Felipe, o estudante que teve o celular levado em Bloomsbury, diz que os brasileiros relaxam as medidas de segurança quando chegam à Europa. “Mas a verdade é que isso acontece bastante nessas cidades grandes”, diz, acrescentando que nunca havia sido roubado no Brasil.