Os equatorianos vão às urnas neste domingo (20) ainda sob o eco dos tiros que rondaram quatro políticos de diferentes partidos. Os primeiros mataram o presidenciável Fernando Villavicencio no último dia 9, e os últimos interromperam uma caminhada de outro presidenciável, Daniel Noboa, na quinta (17), sem feridos.
Entre os episódios, houve ainda os casos de Estefany Puente, postulante à Assembleia Nacional atingida de raspão no braço num atentado contra o carro que dirigia, e de Pedro Briones, líder regional do partido do ex-presidente Rafael Correa assassinado ao chegar em casa, em Esmeraldas, perto da fronteira com a Colômbia. Antes, no primeiro semestre, dois prefeitos já haviam sido mortos em ataques.
Assim, o Equador encerra o que é considerado o ciclo eleitoral mais sangrento de sua história com duros discursos anticriminalidade e uma imagem forte: metade dos oito candidatos à Presidência com coletes à prova de balas em eventos de campanha. O que agora respinga nas candidaturas já era sentido nas ruas nos últimos dois anos, quando a taxa de homicídios triplicou, de 7,8 para 25,9 por 100 mil habitantes.
“É a primeira vez que sinto que vamos votar com medo, simbólico e material. Primeiro, porque muita gente não se sente segura em votar em nenhum dos candidatos, sem um projeto de país. Segundo, porque há um receio de ir até lá, se aglomerar. Será uma eleição histórica, mas não por bons motivos”, afirma Ingrid Ríos, professora da Universidade Casa Grande, na cidade de Guayaquil.
A explosão de violência ocorre num contexto de aumento da produção global de cocaína, que fez os estratégicos portos do país ganharem relevância na rota aos EUA, à Europa e à Ásia. Assim, gangues locais se converteram em dezenas de grupos sofisticados, sendo armados e financiados por facções colombianas e mexicanas, sem qualquer preparo do Estado para lidar com uma ameaça dessa magnitude.
Nesse cenário, não tinha como outro assunto que não fosse a segurança pública dominar a curta corrida eleitoral. A jornada durou apenas um mês e uma semana, já que não segue o calendário regular. Os equatorianos só estão indo votar neste domingo porque, em maio, o presidente Guillermo Lasso dissolveu a Assembleia Nacional e convocou novas eleições para escapar de um processo de impeachment.
Por isso, o nível de indecisão é alto. A dez dias do pleito, um quarto dizia não saber em que data ele se daria e metade afirmava não saber em quem votar, segundo pesquisa presencial do centro de estudos Cedatos.
O voto, feito em cédulas de papel, é obrigatório no país para maiores de 18 anos e menores de 65 anos. Caso nenhum dos candidatos leve mais de 40% dos eleitores nem consiga mais de dez pontos percentuais de diferença para o segundo colocado, haverá um segundo turno no dia 15 de outubro.
Sem nenhuma liderança muito forte, os principais presidenciáveis se aglomeravam entre o segundo e o quinto lugar, a depender da pesquisa. “Do segundo ao quinto lugar, os candidatos estão dentro da margem de erro, portanto não é possível estimar sua posição”, afirmava o último levantamento da instituição.
Quem se destaca um pouco dos demais é a ex-deputada Luisa González, do Movimento Revolução Cidadã, sigla de esquerda de Correa, que governou o país de 2007 a 2017 e se exilou na Bélgica após ser condenado por corrupção.
Ela é uma das únicas que propõe “reafirmar o monopólio do Estado sobre as armas” para reduzir a criminalidade —em abril, Lasso autorizou o porte de armas a civis ao decretar estado de emergência parcial no país. Em suas propostas, González também promete reduzir a impunidade, aperfeiçoar a capacidade de investigação e implementar programas educativos, sem dar muitos detalhes.
Um de seus principais concorrentes é o direitista Jan Topic, 40, que já disse se inspirar no líder linha-dura de El Salvador, Nayib Bukele, e fala em usar a tecnologia para reduzir a criminalidade, ressaltando que fundou uma grande empresa de segurança. Proteção de fronteiras e construção de prisões também estão nos seus planos.
Já Otto Sonnenholznerm, mais centrista, promete aumentar a capacidade de reação das forças de segurança e estabelecer recompensas financeiras para incentivar a entrega de informações. O candidato cita ainda a retomada do controle das prisões —nos últimos anos, centenas morreram em chacinas em centros penais do país.
O líder indígena progressista Yaku Pérez, por sua vez, divide suas propostas entre as imediatas, como a mobilização de todo o aparato de segurança para deter a onda de violência, e as de longo prazo, como a organização de uma agenda internacional de combate ao narcotráfico.
Por fim, a expectativa é que o jornalista Christian Zurita, que substituiu Villavicencio, mantenha a agenda do antecessor. O plano de governo da coalizão fala em criar mecanismos de denúncia para os policiais que desejem apontar irregularidades na corporação e promover uma justiça “eficiente e transparente”.
Quem for eleito, porém, não terá muito tempo para enfrentar o colapso na segurança, já que só tem cerca de um ano e meio de mandato. “É difícil pensar em soluções mágicas, mas o novo governo pode tomar decisões importantes para frear a violência. Frear, não resolver”, diz a pesquisadora Ingrid Ríos.
Ela ressalta que políticas imediatistas como a construção de prisões, por exemplo, não solucionam o problema de base, com jovens entrando para grupos criminosos e sendo treinados para virarem sicários (assassinos por encomenda), em meio a um contexto de pobreza e falta de educação e oportunidades.
Apesar de as taxas de emprego estarem estáveis no país, 52% dos postos de trabalho ocupados são informais —cifra que gira em torno de 40% no Brasil. Já a pobreza atingiu em dezembro 27% da população, nível mais alto que no pré-pandemia, período em que o Equador sofreu bastante economicamente.
Esses fatores, somados à piora da violência, levaram a um aumento das tentativas de migração legal e ilegal a outros países, principalmente aos EUA. Recentemente, os equatorianos se tornaram, atrás dos venezuelanos, a segunda nacionalidade que mais se arrisca a atravessar a perigosa selva de Darién.
Só entre outubro de 2022 e junho deste ano, 2,3 milhões de pessoas do país foram detidas, barradas ou expulsas pelo governo americano, considerando uma população total de 18 milhões de habitantes. “Hoje há vídeos no Tik Tok ensinando como migrar. Esse é o nível de desespero com o qual lidamos”, diz Ríos.
Equatorianos também serão consultados sobre exploração de petróleo
Além de votar para presidente e deputados, os eleitores também participarão no próximo domingo de um referendo sobre a exploração de petróleo em Ishpingo, Tambococha e Tiputini (ITT), campos localizados em um dos locais mais diversos da Amazônia equatoriana, o Parque Nacional Yasuní.
“Você concorda que o governo equatoriano mantenha o petróleo do ITT, conhecido como bloco 43, indefinidamente sob o solo?”, lerão os eleitores em uma das cédulas de votação. Caso a opção “sim” vença, o governo deverá interromper a exploração dentro de um ano após a notificação dos resultados.
Enquanto os favoráveis à exploração evocam os impactos econômicos do fim das atividades no território, ecologistas citam os danos à natureza que a retirada do petróleo provoca —em 1989, o parque foi considerado uma Reserva Mundial da Biosfera pela Unesco.