O decreto emitido nesta terça-feira (9) pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, é uma declaração de guerra civil.
O texto presidencial não usa exatamente esse termo, e sim seu correspondente técnico e jurídico —”conflito armado interno”—, para referir-se ao embate entre forças estatais e 22 grupos armados organizados.
Na prática, porém, o decreto dá às Forças Armadas equatorianas o mais amplo respaldo legal para o uso da força. Os militares passam a realizar operações de guerra, empregando com maior liberdade, meios e métodos militares. Mudam os tipos de veículos, de munições e de estratégias empregadas pelo Exército, pela Força Aérea e pela Marinha. Passam a valer ações de grande envergadura e poder de fogo, quando comprovadamente necessárias, o que normalmente é restrito em operações de perfil mais policial, como as GLO (Garantia da Lei e da Ordem), como são chamadas no Brasil.
A partir de agora, os militares equatorianos não precisam moderar o uso da força para se ater a padrões policiais. Eles poderão agir como militares em guerra. É provável que, com isso, cresçam os números de presos, feridos e mortos.
Tudo isso se situa um degrau acima do estado de exceção e até do estado de sítio, pois ambas as figuras legais, que também pressupõem ampliação do uso da força pelo Estado, podem ocorrer em tempos de paz. Já a declaração de um “conflito armado interno” não significa outra coisa que uma guerra civil.
No mesmo decreto, Noboa também reconheceu a aplicabilidade do direito internacional humanitário. Isso significa que o país vai se ater às determinações de dois instrumentos principais: o artigo 3º presente nas Quatro Convenções de Genebra de 1949 e o Protocolo Adicional Dois de 1977. São regras aplicáveis exclusivamente em guerras.
Quando o direito internacional humanitário entra em cena, várias disposições do direito internacional dos direitos humanos podem perder força. O próprio direito à vida passa a ser mais relativizado. Em tempos de paz, um criminoso deve, preferencialmente, ser capturado e levado a julgamento. Em tempos de conflito interno, um membro de grupo armado organizado passa a ser alvo legítimo, como qualquer combatente em guerra.
Pode-se argumentar que, na prática, esse tipo de comportamento já vigora em situações de violência urbana, como no Rio de Janeiro. É verdade, mas, no Equador, haverá cobertura legal para que esses meios e métodos militares tenham respaldo no direito e evitem consequências legais para comandantes militares e autoridades políticas no futuro.
A lei da guerra impõe, no entanto, restrições. São proibidas, em qualquer situação e em todo o tempo, as execuções sumárias e as desaparições forçadas, assim como a tortura e os maus tratos aos combatentes capturados. Os civis devem ser poupados de todos os efeitos das operações militares.
É o que diz a lei, mas não é o que se vê nas guerras.