Políticos e empresários frequentemente mantêm relações cautelosas visando investimentos, contribuições de campanha, subsídios e licenças. Ocasionalmente, confrontos entre ambos são revigorantes. Nenhuma briga foi tão pública nos tempos recentes quanto a que opõe Elon Musk aos políticos na Europa, frequentemente se desenrolando na plataforma X.
No início de novembro, o fornecedor de carros da Tesla e foguetes da SpaceX chamou o premiê alemão, Olaf Scholz, de idiota. Em outra ocasião, neste ano, ele aconselhou um comissário da União Europeia que o havia confrontado a “dar um grande passo para trás e, literalmente, se ferrar”.
O outro lado consegue revidar quase na mesma moeda. Outro comissário da UE pintou o volúvel Musk como um “promotor do mal”, antes que o ministro das Relações Exteriores francês zombasse dele por levar o X à ruína.
Tudo isso seria apenas mais um dia de brincadeiras nas redes sociais se não fosse pelo fato de que o homem mais rico do mundo é agora o braço direito de Donald Trump, enquanto o presidente eleito dos Estados Unidos se prepara para um segundo mandato.
Isso representa um desafio único para a Europa. Por mais que o empreendedor nascido na África do Sul irrite a alta cúpula do continente, eles já dependem de seus empreendimentos bem-sucedidos para tudo, desde seus esforços de descarbonização (carros elétricos da Tesla) até a luta na Ucrânia (onde as tropas dependem da Starlink) e o lançamento de satélites vitais (a Europa muitas vezes carece de foguetes para fazê-lo).
Se a influência de Musk em Washington se mantiver —um grande se, dada a tendência de Trump de dispensar subalternos—, pode se tornar politicamente indesejável para a Europa impor suas mãos regulatórias sobre ele.
Por décadas, a UE teve carta branca para regular empresas dentro de suas fronteiras de maneiras que muitas vezes foram adotadas em todo o mundo, fenômeno conhecido como o “efeito Bruxelas”. Musk tem interesse em argumentar que esse superpoder de policiamento, valorizado nos círculos europeus, está atrapalhando o projeto de “fazer os EUA grandiosos novamente”.
Musk é visto como o titã da tecnologia mais preocupante para a UE devido à sua visão negativa sobre o continente. Ele afirmou a seus mais de 200 milhões de seguidores no X que “a Europa está morrendo”, enfrenta uma possível “guerra civil” devido à onda de migrações e à baixa natalidade, e pode começar a executar cidadãos com crenças contrárias —muito provavelmente um exagero.
A Europa não pode ignorar Musk, que participou de uma ligação entre Trump e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e tem falado com o russo, Vladimir Putin. O dono do X critica a regulação europeia das redes sociais, especialmente a Lei de Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês), que exige moderação de conteúdo, considerando-a censura inaceitável para os EUA.
Em agosto, Thierry Breton, o então comissário da UE, alertou Musk sobre as normas da DSA relacionadas à desinformação antes de o bilionário entrevistar Trump no X. Breton indicou que o ex-presidente, como candidato à Casa Branca, deveria respeitar as diretrizes europeias de liberdade de expressão, o que provocou uma reação ofensiva do dono da plataforma. Mas o pior estava por vir.
J.D. Vance, que concorria como vice-presidente de Trump, declarou incisivamente que o episódio de Breton mostrou que a Europa já não se comportava de maneira que os EUA devessem considerar digna de uma aliança militar.
A UE desautorizou Breton e abriu procedimentos contra o X por violação de regras, com possível multa de €1 bilhão (R$ 6,1 bilhões). Musk acusou a UE de extorsão, sem evidências. O bloco europeu impôs tarifas aos carros Tesla importados da China, mas com a menor taxa para carros elétricos.
Outro fanfarrão
A Europa já enfrentava desafios ao seu papel de regulador global antes de Musk. O efeito Bruxelas surgiu acidentalmente, pois as regras da UE resultam de compromissos entre governos diversos, tornando-as adequadas para outros países que frequentemente as adotam. Já o sistema está se desgastando nas bordas.
As novas regras de IA (inteligência artificial) e privacidade de dados afetam principalmente as big techs, das quais a Europa não possui representantes. A UE poderia exigir a divisão de um gigante tecnológico por razões antitruste, levantando questões sobre a reação de figuras como Musk e autoridades dos EUA.
Os gigantes da tecnologia do Vale do Silício estão atrasando o lançamento de alguns produtos no mercado europeu, como assistentes de IA, aparentemente para se dar tempo de obedecer às regulamentações complicadas do bloco.
A sugestão é clara: com a participação da Europa no PIB global diminuindo, o mercado europeu está se tornando menos essencial para essas empresas. Se as regras forem excessivamente complicadas ou restritivas, elas podem simplesmente decidir viver sem ele.
Essa postura parece estar surtindo efeito. Em 12 de novembro, Henna Virkkunen, comissária proposta da UE para tecnologia, afirmou ao Parlamento Europeu que novas leis podem não ser a solução para tudo, sugerindo políticas para fortalecer a inovação, ecoando ideias semelhantes às de Musk.